UFSC Ciência
  • Cientificamente Falando: Plantas Alimentícias Não Convencionais

    Publicado em 27/12/2019 às 11:58

    Você sabia que 90% de todos os alimentos consumidos no mundo são provenientes de somente 20 espécies de seres vivos? E que se estima que existam 30 mil espécies de vegetais comestíveis, dos quais pelo menos 10 mil sejam nativos do Brasil?

    A maior parte desses alimentos não é consumida por desconhecimento da população e é nesse contexto que se desenvolve o conceito de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC), tema do segundo episódio da série Cientificamente Falando. Produzida pela Agência de Comunicação (Agecom) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a série explica conceitos científicos com referências ao cotidiano e à cultura pop, em uma linguagem contemporânea e em vídeos animados.
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  • Traduzindo Ciência: Biblioteca Universitária

    Publicado em 27/12/2019 às 11:54

    A Biblioteca Central da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) possui mais de 580 mil materiais no seu acervo e uma visitação diária de, aproximadamente, 3,8 mil pessoas. O sistema de bibliotecas da UFSC conta, ainda, com 10 setoriais e duas salas de leitura. Oferece um acervo acessível em braile, digital e audiolivros. Um espaço de interação e descoberta, que possibilita ao visitante, à comunidade, aos estudantes e aos servidores o acesso a obras raras, produção científica por meio da consulta a teses e dissertações, obras literárias dos mais variados estilos e o acesso ao Portal Capes: uma biblioteca virtual com mais de 45 mil títulos com texto completo, 130 bases referenciais, 12 bases dedicadas exclusivamente a patentes, entre outros.

    Neste episódio do ‘Traduzindo ciência’, a servidora Gleide Bitencourte José Ordovás fala sobre os serviços da Biblioteca Universitária.


  • UFSC Explica: Novembrada

    Publicado em 27/12/2019 às 11:48

    Há 40 anos, no dia 30 de novembro de 1979, Florianópolis registrou um dos mais significativos protestos políticos da sua história. A Novembrada transformou-se num símbolo de resistência e enfrentamento à ditadura militar.

    A mobilização estudantil, capitaneada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSC, insurgiu contra o general presidente João Figueiredo. Naquele dia, uma placa seria inaugurada, na Praça XV de Novembro, em homenagem a Floriano Peixoto, segundo presidente da República e responsável pelo massacre de 200 pessoas em Anhatomirim.

    Além do descontentamento com o ato, o protesto também teve como motivação o constante aumento do custo de vida, em especial dos combustíveis, e tornou-se um marco no processo de redemocratização do país.<!–more–>

    Qual era o contexto político que vivíamos no fim dos anos 1970? Que consequências a Novembrada trouxe para a nossa história? Qual foi o papel dos estudantes nessa manifestação? Para responder a essas e outras perguntas, conversamos com três professores de diferentes áreas da Universidade.

    A série “UFSC Explica” oferece o viés acadêmico, com participação de pesquisadores da instituição, sobre assuntos em evidência na sociedade.


  • O conto dos contos

    Publicado em 19/12/2019 às 17:18
    Gabriel Martins

    Rapunzel, João e Maria e A Bela Adormecida são contos de fadas conhecidos por praticamente todos os leitores. Mas Petrosinella; Nennilo e Nennela; e Talia soam estranho mesmo a alguns dos mais apaixonados apreciadores de histórias mágicas. O que poucos sabem é que as personagens mais conhecidas são, em geral, adaptações de contos para adultos publicados na primeira metade do século XVII, como parte de uma mesma história. A obra foi traduzida ao português somente em 2018, como fruto de pós-doutorado realizado por Francisco Degani no Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (PGET/UFSC).

    O Conto dos Contos é um dos livros mais antigos a apresentar histórias que séculos depois foram imortalizadas pelos estúdios Disney, e antes adaptadas por Perrault e os irmãos Grimm. Um exemplo é a história Rosicler, de autoria dos irmãos Grimm; Sol, lua e Talia, que inspirou A Bela Adormecida, da Disney; A rainha Marmota, escrito por Ítalo Calvino; e até o filme Fale com Ela, dirigido por Pedro Almodóvar, em 2003.

    As diversas histórias compartilhadas pelo povo da região de Nápoles foram adaptadas por Giambattista Basile (1566-1632), no decorrer do século XVII, a partir de suas viagens pelo sul da Itália. Para entreter a corte espanhola que ocupava a região naquele período, Basile agrupou essas histórias tradicionalmente narradas oralmente. Não é sabido como o autor as transmitia para a corte a qual servia. Somente após sua morte que O Conto dos Contos foi publicado, por sua irmã, Adriana Basile, famosa cantora da época.

    O livro agrupa 50 histórias em uma única moldura: o conto da princesa que não conseguia rir. A partir dessa grande narrativa, são apresentadas as tramas populares. A obra é, portanto, uma história atravessada por outras 49 histórias curtas, contadas por um grupo de senhoras. Os enredos são recheados de mitos e momentos fantásticos, contando, inclusive, com adaptações de textos mais antigos, como Pigmaleão e Eros e Psiqué, ambas de Ovídio.

    Primeira tradução para o português

    Perrault e os irmãos Grimm puderam realizar adaptações de histórias presentes em O Conto dos Contos por já terem acesso ao livro traduzido ao francês e ao alemão, algumas décadas após suas primeiras publicações. A inédita tradução do pesquisador da UFSC, lançada pela Editora Nova Alexandria, preenche, assim, uma importante lacuna da literatura para a língua portuguesa. Com seu trabalho, Degani permite aos leitores do idioma o acesso a narrativas tradicionalmente contadas por séculos, e que influenciam, até os nossos dias, algumas das mais marcantes narrativas que mais do que ogros, princesas e animais falantes, retratam parte da história da própria humanidade.


  • Pobres, Negros e da Periferia

    Publicado em 19/12/2019 às 17:13

    Pesquisador da UFSC identifica como o sistema penal criminaliza jovens com menos de 18 anos

    Erick Souza

    Ao invés de ressocializar e educar, as medidas socioeducativas do sistema penal brasileiro produzem o jovem “menor infrator” e consolidam essa figura. É o que defende a tese de Gustavo Meneghetti no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PGSS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

    Mais de 26 mil jovens e adolescentes cumprem alguma medida socioeducativa no Brasil. Dentre as mais utilizadas estão as ações de internação, semiliberdade e internação provisória, segundo o levantamento anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) de 2016, último ano da pesquisa. Essas medidas são aplicadas em jovens com menos de 18 anos que cometeram algum ato considerado infracional, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

    A tese demonstra como, em Santa Catarina, a polícia, o judiciário e as medidas socioeducativas agem de maneira coordenada na criminalização, principalmente, de jovens pobres, negros e moradores das regiões periféricas. Durante a pesquisa, Gustavo investigou documentos do Juizado da Infância e Juventude e das comarcas de Joinville, Chapecó e Florianópolis, de 2015. Naquele ano, entrava em vigor a Lei do Sinase, que estabelece as normas de execução de medidas para jovens e adolescentes que cometem atos infracionais. Ao todo, chegou a analisar 20 processos de apuração e mais 20 processos de execução. “Totalizaram mais de dez mil páginas”, ele afirma. Esses arquivos se referiam a processos de apuração de ato infracional, aplicado em investigações e processos de execução de medida socioeducativa.

    “Todos nós participamos dessa colagem gradativa e cumulativa do rótulo de menor infrator sem sequer nos darmos conta disso, apenas cumprindo o nosso dever profissional”, comenta Gustavo, que também é assistente social do Judiciário catarinense. Em sua tese, o pesquisador enquadra e detalha as três fases da construção do ‘menor infrator’, como produto final do ciclo que deveria ressocializar.

    A polícia inicia esta rede de criminalização juvenil, com a produção do “menor suspeito”, “a partir de estereótipos e preconceitos sociais e raciais, passando a vigiá-lo e persegui-lo até lograr sua apreensão”, afirma Gustavo. Na segunda etapa, descreve o pesquisador, o Poder Judiciário processa, julga e condena o adolescente criminalizado, principalmente a partir do mecanismo de confissão, independente da gravidade do ato infracional. Nesta segunda etapa, cria-se o perfil do “menor perigoso”, portador de antecedentes criminais, que lhe causa maior exclusão.

    A terceira e última fase do processo de criminalização de adolescentes negros e moradores de periferia passa pelo Sistema Socioeducativo, onde o jovem tem de enfrentar condições desumanas que fracassam em ressocializar, mas têm êxito em produzir o “menor infrator”, que interioriza e reproduz este rótulo definitivamente, segundo Gustavo. “O atestado de reclusão e a certidão de óbito são os documentos-símbolos desse fracasso/sucesso”, escreve Gustavo.

    Problema complexo

    Antes de propor algumas estratégias de resistência, Gustavo alerta: “Não existem soluções simples para problemas de tamanha complexidade”. Com ações voltadas para a opinião pública, ele ressalta a importância de promover debates sobre criminalização juvenil e a violência do sistema penal contra adolescentes, que indiquem formas alternativas de controle social e que defendam os direitos humanos desses jovens. Ele também sugere ações mais práticas, como a abolição de medidas restritivas de liberdade.

    “Creio que seja necessário subverter a lógica disciplinar socioeducativa, para estimular o pensar e o agir político do adolescente criminalizado, em vez de discipliná-lo, tratar de reconhecer sua capacidade política”, propõe Gustavo.

    Retrato do Sistema Socioeducativo

    Pesquisa de Gustavo Meneghetti

    • 82,2% com renda per capita familiar de até meio salário mínimo
    • 86,66% têm ensino fundamental incompleto
    • 73,33% são pardos, negros ou não-brancos

     

    Medidas Socioeducativas*

    • Total de 26.450 atendidos, sendo:
    • 18.567 em medida de internação (70%)
    • 2.178 em regime de semiliberdade (8%)
    • 5.184 em internação provisória (20%)

     

    Perfil demográfico*

    • 25.360 são homens e 1.090 são mulheres
    • 15. 627 são pretos (3.369) ou pardos (12.258)

     

    * Fonte: Sinase – 2016

    Prêmio Capes de Tese 2019

    Gustavo venceu o Prêmio Capes de Tese pelo trabalho “Na Mira do Sistema Penal: o Processo de Criminalização de Adolescentes Pobres, Negros e Moradores da Periferia no âmbito do Sistema Penal Catarinense” na área de Ciências Sociais Aplicadas. A pesquisa teve orientação da professora Simone Sobral Sampaio.


  • Na contramão

    Publicado em 19/12/2019 às 17:06

    O Brasil ainda utiliza o agrotóxico Sulfluramida

    Rosiani Bion

    A Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), em vigor desde 2004, realizou a nona Conferência das Partes de 29 de abril a 10 de maio de 2019, em Genebra (Suíça). Como um dos signatários, o Brasil tem se comprometido a adotar medidas para a proteção da saúde humana e do meio ambiente, estabelecidas por países das Nações Unidas, da América Latina e do Caribe. Mas, em alguns casos, o governo brasileiro segue na contramão e ainda não restringiu o uso industrial e tem dificuldades na fiscalização do agrotóxico Sulfluramida.

    Os riscos da utilização desse tipo de pesticida se encontram nos compostos químicos gerados pela sua rápida degradação, entre eles o PFOS (Ácido Perfluoroctanoico Sulfônico), um poluente extremamente resistente e bioacumulável. O PFOS não é mais fabricado ou utilizado na maioria dos países signatários da Convenção, já que suas características contribuem para a contaminação da água, do solo, e, inevitavelmente, intoxicam fauna e flora. No que tange à saúde pública, esse composto químico está relacionado a transtornos neurológicos e hepáticos, além de problemas de desenvolvimento em recém-nascidos, baixa imunidade, colesterol elevado, disfunção da tireoide, obesidade, infertilidade masculina, entre outros. Estudos também apontam a possibilidade de a substância ser cancerígena.

    A justificativa apresentada por órgãos do governo brasileiro é não ter produto equivalente e, por isso, reitera os pedidos de isenção para continuar utilizando, produzindo e, até mesmo, exportando a Sulfluramida. Em vez de reduzir, a fabricação cresce em larga escala. Além de violar as disposições da Convenção de Estocolmo, o cenário atual preocupa quem estuda o assunto no país e no exterior. Entre os pesquisadores, a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e oceanógrafa Juliana Leonel dedica-se aos estudos da poluição marinha, com ênfase nos Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs).

    Economia perversa

    Em seu artigo, intitulado “A Formiga e o Mar” e publicado em 2018, Juliana explica que as análises ambientais e experimentações realizadas em conjunto com o Laboratório de Oceanografia Química da UFSC, em parceria com instituições nacionais e internacionais, demonstraram que o uso do formicida Sulfluramida nos cultivos de pinus e eucalipto é uma importante fonte de PFOS para o ecossistema. Além disso, os resultados das análises evidenciaram que o composto está sendo transportado do local de aplicação até a região costeira do Brasil.

    O problema toma proporções ainda maiores ao identificar que o Brasil é um dos grandes produtores de pinus e eucalipto no mundo. A matéria-prima abastece principalmente as indústrias para produção de papel e celulose, lenha e carvão vegetal. Suas plantações ocupam 6,5 milhões de hectares de norte a sul do país, com destaque para os estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Bahia.

    Juliana, que também lecionou e iniciou sua pesquisa acadêmica na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 2014, cita o exemplo de cidades no extremo sul do estado baiano, onde quase 50% da área é voltada a esse tipo de cultivo. O interesse econômico também pode ser percebido no aumento, nos últimos anos, da produção de eucalipto no Brasil. O que a torna tão atrativa a empresas do setor são os incentivos fiscais, a flexibilização da legislação ambiental, associados a favoráveis condições climáticas e de adaptação do solo. O tempo de produção também é outro fator positivo. A espécie é originária da Austrália, onde demora quase 30 anos para estar preparada para o corte; já no Brasil, leva em torno de sete.

    No decorrer do tempo de cultivo, a Sulfluramida é aplicada na forma de iscas granuladas, para o controle das formigas cortadeiras. Em poucos dias, o defensivo se transforma no PFOS, que será arrastado com a água das chuvas, infiltrando-se no solo, em lençóis freáticos e mananciais.
    Até pouco tempo acreditava-se que as razões para este tipo de contaminação estavam relacionadas a áreas urbanas e industriais do país. Após as comprovações das pesquisas, evidenciam-se os efeitos da aplicação do formicida na poluição de rios e oceanos.

    Áreas distantes atingidas

    A professora destaca que a Sulfluramida nem sequer consta entre os dez pesticidas mais usados no Brasil. E, para entender como se relaciona o perfil do consumo no país com as altas concentrações do PFOS, começou a desenvolver um projeto-piloto na Baía de Todos os Santos, no litoral do estado da Bahia. Para surpresa dos pesquisadores, em regiões afastadas das áreas urbanas e industriais, com produções de eucalipto e drenagem de rios, a contaminação por PFOS remetia ao perfil da Sulfluramida.

    Em um experimento com cenouras, foram feitas produções controladas e aplicações de iscas formicidas na forma pura e no solo. O vegetal foi escolhido por ser uma espécie que cresce rápido e também por ser muito usado na alimentação humana. Por 80 dias, periodicamente, foram feitas coletas e foi verificado que o prazo para a degradação da Sulfluramida em PFOS era de apenas duas semanas. O composto tanto era acumulado no solo, como era absorvido pelas folhas e raízes do vegetal.

    “A preocupação com o PFOS tomou força no princípio da década de 1990. Estudos da época ligavam o composto a efeitos tóxicos e, a partir daí, começou-se um trabalho de investigação e de monitoramento, de forma a entender o contexto e, ao mesmo tempo, diminuir os níveis de produção dele mesmo”, contextualiza a docente.

    O PFOS, argumenta, “faz parte dos compostos perfluorados — que possuem flúor na sua composição — o que permite que seja aproveitado em uma ampla gama de produtos de uso doméstico e industrial”, como, por exemplo, espuma de combate a incêndios, embalagens de alimentos, fitas adesivas, aditivos, produtos de higiene pessoal, maquiagem, impermeabilizantes, protetores antimanchas, praguicidas, estofamentos e carpete.

    Em 2009, os países signatários da Convenção de Estocolmo acrescentaram o composto para a sua restrição global, mas alguns usos foram isentos e tiveram autorização para continuar, como o caso do Brasil. Na visão da pesquisadora, é perceptível a falta de interesse em substituir a Sulfluramida no país, por ser um produto extremamente barato comparado a outros praguicidas, e por não ter, até o momento, avanço dos estudos neste sentido.

    Para Juliana Leonel, o próximo passo será expandir as amostragens e traçar o perfil de contaminação pelos compostos perfluorados nas diferentes bacias hidrográficas do Brasil. Estes são os objetivos do projeto “Origem, Distribuição e Transporte de PFOS para o Atlântico Sul”, que teve aprovação e auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A professora inicia mais uma etapa de seus estudos e espera que sirva de base para a implantação de políticas públicas, que o Brasil não seja mais uma exceção no mundo e que invista e coloque em prática a melhoria da saúde da população e do meio ambiente.


  • Prevenção na palma da mão

    Publicado em 19/12/2019 às 16:56

    mSmartAVC®: aplicativo móvel atua na prevenção, diagnóstico e aprendizagem sobre o acidente vascular cerebral

    Nicole Trevisol

    Em 27 de fevereiro de 2018 Camila Rosalia Antunes Baccin conquistava o título de Doutora em Enfermagem. Diante da banca examinadora, ela apresentava o resultado de uma pesquisa de quatro anos: o mSmart AVC – aplicativo móvel para a aprendizagem da detecção e cuidados de enfermagem a pessoa com acidente vascular cerebral.

    Segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a segunda causa de mortes entre os brasileiros, uma doença silenciosa provocada quando os vasos que levam sangue ao cérebro entopem ou se rompem. O diagnóstico ágil e o tratamento adequado do AVC dão maiores chances de recuperação completa ao paciente. Por isso, estar atento aos sinais e sintomas é atitude primordial aos indivíduos e aos profissionais de saúde. Foi pensando nessa relação entre prevenção e acompanhamento que Camila uniu sua vivência profissional com a oportunidade de desenvolver, durante o doutorado na UFSC, uma ferramenta tecnológica aberta e gratuita para auxiliar na aprendizagem dos profissionais de saúde no apoio à tomada de decisão durante a avaliação clínica dos pacientes com AVC.

    “Ao trabalhar junto a uma equipe voltada ao cuidado com o paciente de AVC, me dei conta da necessidade de qualificar, também, os meus colegas enfermeiros para atuarem em um modelo de atenção. Foi quando decidi focar a minha tese no desenvolvimento de um aplicativo”, revela a doutora. A linha de pesquisa da autora é Tecnologias e Gestão em Educação, Saúde, Enfermagem e está atrelada a uma área chamada de Informática em Saúde. A UFSC é a primeira instituição de ensino pública do Brasil a implantar um Mestrado Profissional em Informática em Saúde que congrega as Ciências da Informação, da Comunicação e da Saúde. “Ao unir essas três áreas, desenvolvemos produtos para melhorar a saúde das pessoas e dar um pouco mais de autonomia aos profissionais de saúde. No caso da Camila, o mSmartAVC® aborda uma das doenças que mais mata no país com o objetivo de identificar rapidamente o AVC por meio de um aplicativo”, diz Dal Sasso.

    Usando de inteligência artificial, a ferramenta permite que dois públicos distintos atuem na prevenção, diagnóstico e processo de aprendizagem, reduzindo os índices de mortalidade por AVC. O profissional de enfermagem poderá identificar e atender o paciente de maneira rápida. Já o paciente poderá identificar os seus sintomas e verificar o que pode ser feito. “A ideia é estimular o comprometimento da pessoa em relação a sua saúde, um movimento que está acontecendo naturalmente, uma vez que na atualidade boa parte da população usa a tecnologia via smartphone, o que chamamos de tecnologia persuasiva”, complementa a orientadora, reforçando que o aplicativo compreende tanto a área da educação (profissional) quanto da saúde (usuário).

    O desenvolvimento do estudo

    A pesquisa de Camila foi divida em três blocos com vistas à construção de um sistema que busca o cuidado mais ágil, seguro e oportuno à saúde: 1) produção tecnológica; 2) avaliação da aprendizagem pré-teste e pós-teste do aplicativo mSmartAVC®; e 3) avaliação da qualidade do mSmartAVC®.

    Segundo a autora, os manuscritos produzidos na tese contemplam a produção tecnológica, ou seja, a descrição de todo o processo de desenvolvimento do aplicativo. “Na etapa dois é possível verificar os resultados da aprendizagem antes e depois do uso do aplicativo, como também a descrição da concepção pedagógica utilizada (aprendizagem baseada em problema). A terceira e última etapa avaliou a qualidade do aplicativo por meio do instrumento LORI®, que conferiu um conceito ‘muito bom’ ao mSmartAVC®”, explica Camila.

    Participaram da pesquisa 150 pessoas, sendo 115 enfermeiros dos serviços de urgência e emergência e 35 acadêmicos de enfermagem que utilizaram o aplicativo em um estudo quase-experimental, do tipo antes e depois (primeiro testa-se o aplicativo e depois mede-se o nível de aprendizagem; as duas etapas envolvem enfermeiros e estudantes). O resultado da tese mostrou que a ferramenta digital é um potencial espaço para aprendizagem e apoio na tomada de decisão de enfermeiros e acadêmicos de enfermagem do último ano da graduação.

    “Usamos cenários realísticos simulados e intuitivos a partir de dois casos clínicos de AVCs: AVC hemorrágico e AVC isquêmico. Por esse motivo, tornou-se uma ferramenta de
    aprendizagem fácil”, salienta a pesquisadora. Para Camila, a tecnologia de apoio ao diagnóstico e intervenção de enfermagem favorece o ensino e a tomada de decisão à beira do leito, ou seja, qualifica o cuidado de enfermagem aos pacientes de AVC como também os familiares, que atuam como cuidadores.

    “Para mim, a produção de conhecimento precisa contribuir para o bem comum, esse deve ser o primeiro objetivo da ciência. O meu desejo sempre foi além do diploma, busquei desenvolver e implantar uma proposta dentro da linha de cuidados do AVC. Serviços foram estruturados e equipes foram sensibilizadas em torno dessa temática. Esse foi, sem dúvida, o melhor resultado que alcancei em benefício daqueles que mais sofrem”. Grace Dal Sasso sente-se feliz com a conquista de Camila Baccin e realizada, pois é a sua segunda vez no Prêmio Capes de Tese como orientadora. “É gratificante ver que outros profissionais estão seguindo a minha trajetória na pesquisa de processos educacionais em saúde atrelados à tecnologia. O que queremos é desenvolver produtos que tenham impacto social construído a partir de um método científico rigoroso. Temos aqui um exemplo da ciência aplicada na sociedade de maneira gratuita. Não consigo me ver na academia produzindo algo que fique na prateleira, as pessoas têm que usar, assim a ciência faz sentido. Me sinto orgulhosa em fazer parte desse time”, frisa ela.

    Atualmente, o mSmartAVC® está em processo de registro de patente, tradução para o inglês e o espanhol e, em breve, estará disponível para dispositivos móveis por meio dos sistemas operacionais Android e iOS. Na UFSC, o Laboratório de Produção Tecnológica em Saúde e Enfermagem e o Grupo de Pesquisa Clínica, Tecnologias e Informática em Saúde e Enfermagem (Lapetec/Giate) estão estruturando uma página on-line que comporte os sistemas desenvolvidos pelos trabalhos vinculados ao programa de Pós-Graduação em Enfermagem e ao Mestrado Profissional em Informática em Saúde, que estarão disponíveis de maneira gratuita aos profissionais de saúde e à população.

    Prêmio Capes de Tese 2019

    A pesquisa de Camila Baccin foi uma das contempladas no Prêmio Capes de Tese, edição 2019, na área de Enfermagem, e foi avaliada pelo Colégio de Ciências da Vida, Grande Área Ciências da Saúde.

    A orientação foi de Grace Teresinha Marcon Dal Sasso, docente no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

    Quatro doutores da UFSC foram vencedores do Prêmio Capes de Tese 2019, que seleciona anualmente a melhor tese para cada uma das 49 áreas do conhecimento reconhecidas no país. Outros quatro trabalhos da UFSC receberam Menções Honrosas.


  • Fortalezas da Ilha de Santa Catarina

    Publicado em 19/12/2019 às 16:43

    Sistema de defesa da Coroa Portuguesa completa 40 anos sob gestão da UFSC

    Maykon Oliveira

    A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) completou, em 21 de novembro de 2019, quatro décadas à frente da gestão das fortalezas da Ilha de Santa Catarina. Construídas pela Coroa Portuguesa a partir de 1739, com a função de guarnecer a entrada da Barra Norte da Ilha, as fortalezas de Santa Cruz de Anhatomirim, Santo Antônio de Ratones e São José da Ponta Grossa foram projetadas por José da Silva Paes, brigadeiro, engenheiro militar e primeiro governador da capitania de Santa Catarina. As obras deram início ao sistema defensivo da Ilha, que posteriormente foi ampliado com outras dezenas de fortificações, como fortes, baterias e trincheiras.

    Para o arquiteto Roberto Tonera, que trabalha com os monumentos há cerca de 30 anos, a criação das fortalezas está diretamente relacionada ao nascimento do estado de Santa Catarina, do ponto de vista político-administrativo. “Silva Paes foi o autor, projetista e idealizador desse sistema defensivo. O que é que ele pretendia com essas fortalezas? Primeiro, garantir a posse do território da Ilha de Santa Catarina para os portugueses, defendendo-a contra qualquer nação inimiga, em especial, a Espanha – que era, naquele momento, no século XVIII, o mais próximo em disputa por toda essa parte do continente da América do Sul”, relatou Tonera.

    “A posse dependia então de um sistema de fortificações que garantisse o território e o apoio logístico entre o Rio de Janeiro, onde Portugal tinha o seu vice-reinado, e o Sul. Quatro fortalezas foram construídas inicialmente, entre 1739 e 1744”, completou Tonera, incluindo também a edificação da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, na Barra Sul.

    Santa Catarina chegou a somar cerca de 40 fortificações até o início do século XIX. Porém, ainda na primeira metade daquele século, a maioria das construções já havia desaparecido, por arruinamento, abandono ou demolição. Mesmo o tombamento como patrimônio histórico brasileiro, em 1938, pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) – atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – não foi suficiente para assegurar a preservação ou a recuperação dessas construções. As fortificações que permaneceram ativas encontravam-se em péssimo estado de conservação; o sistema defensivo amargava dias de descaso, de modo que algumas das construções estavam desmoronando e totalmente cobertas
    pela vegetação. 

    Na década de 1970, o Iphan começou as obras de restauro na Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim e, ao fim da década, a UFSC assumiu a tutela do monumento por meio de um convênio assinado entre a Universidade, o Iphan e a Marinha do Brasil. “Em 1979, tivemos uma decisão que considero muito corajosa e histórica por parte do reitor Caspar Erich Stemmer. Apesar de todas as dificuldades financeiras e logísticas para assumir um patrimônio dessa magnitude, a Universidade decidiu adotar a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim (…) Eu não conheço outra universidade – nem no Brasil, nem fora – que seja gestora de um patrimônio dessa dimensão”, ressaltou Tonera. A fortaleza foi aberta à visitação pública em 1984. Sete anos mais tarde, as fortalezas de Santo Antônio de Ratones e São José da Ponta Grossa passaram à guarda da UFSC, tendo sido abertas ao público em 1992.

    Candidatura a Patrimônio Mundial

    As edificações de Anhatomirim, hoje em área de jurisdição do município de Governador Celso Ramos, e de Ratones, pertencente a Florianópolis, atualmente integram o Conjunto de Fortificações do Brasil, candidato a Patrimônio Mundial. Composto por 19 fortificações situadas em dez estados brasileiros, o conjunto está entre os bens que integram a Lista Indicativa brasileira a Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O grupo representa as construções defensivas implantadas no território nacional, nos pontos que serviram para definir as fronteiras marítimas e fluviais que resultaram neste que é o maior país da América Latina. A proteção, a conservação e a gestão das fortificações serão pilares a serem considerados no processo de avaliação da candidatura. 

    Além da UFSC, compõem o comitê de candidatura: o Iphan, a Marinha do Brasil, a Secretaria do Patrimônio da União, o Governo do Estado de Santa Catarina, os municípios de Florianópolis e de Governador Celso Ramos, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Associação Catarinense de Conservadores e Restauradores, a Convention Bureau e a Associação Náutica Brasileira (Acatmar). “Todos os entes se propõem a trabalhar conjuntamente para valorizar, prestigiar, difundir e, efetivamente, utilizar as fortalezas e todo o seu potencial; seja na área turística, cultural ou educacional. A sociedade precisa se apropriar dessas fortalezas. Assim, a Unesco vai entender que estamos dispostos a zelar por esse patrimônio”, frisou Tonera. 

    “Embora este seja um patrimônio secular, nosso trabalho está sendo feito no sentido de pensar no seu futuro, de qualificá-lo e mantê-lo como patrimônio”, disse Salvador Gomes, dirigente da Coordenadoria das Fortalezas da Ilha de Santa Catarina. Desde 2016, o órgão administrativo da Universidade, vinculado à Secretaria de Cultura e Artes (SeCArte), é responsável pelo gerenciamento, guarda, manutenção e conservação das fortalezas.

    Cerca de 200 mil visitantes por ano

    Os canhões, as guaritas, a casa de pólvora e tantos outros elementos que compõem as fortalezas atraem milhares de turistas brasileiros e estrangeiros todos os anos. Em 2018, a Universidade registrou 196 mil visitantes nas três unidades sob sua responsabilidade. Para Salvador, o trabalho da instituição é essencial, pois possibilita ao público aprender mais sobre um período tão importante da história de Santa Catarina. “São quase 200 mil visitantes que, graças a esse esforço, estão tendo acesso à nossa história. As fortalezas, além de terem sido essenciais para a ocupação do território, fizeram parte de uma estratégia que trouxe os açorianos para cá”, destacou Salvador.

    Desde 2018, a Fortaleza de São José da Ponta Grossa passou a contar com o serviço de guia de turismo.
    A iniciativa é desenvolvida por meio do projeto de extensão “Turismo receptivo na Fortaleza de São José da Ponta Grossa”, que oportuniza aos estudantes do curso técnico de Guia de Turismo, do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), colocarem em prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula. Bolsistas e voluntários acompanham grupos de visitantes interessados em serem guiados para contar, com detalhes, informações acerca da fortaleza. Além de melhorar o atendimento e a experiência dos turistas, o serviço torna o passeio mais completo, uma vez que permite conhecer personagens e curiosidades do local.

    A parceria com o curso do IFSC ocorre todos os domingos, inclusive nos dias de visita gratuita ao local (sempre nos primeiros domingos de cada mês). A visitação gratuita também é realizada nas outras duas fortalezas nos mesmos moldes; porém, sem os guias de turismo.  Localizada na Praia do Forte, a Fortaleza de São José é a única fortificação que pode ser acessada por via terrestre. Já a Fortaleza de Santa Cruz e a Fortaleza de Santo Antônio ficam localizadas, respectivamente, nas ilhas de Anhatomirim e Ratones Grande, na Baía Norte da Ilha de Santa Catarina. A UFSC não oferece traslado às ilhas, mas disponibiliza em seu site as empresas que fazem o transporte náutico na região.

    Atualmente, os monumentos podem ser visitados todos os dias da semana das 9h às 17h, com exceção da Fortaleza de São José da Ponta Grossa, que fecha entre 12h e 13h. Os ingressos custam R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia-entrada), e a renda obtida com a taxa de visitação é utilizada na manutenção do local.
    “A UFSC dá subsídios em outras questões, como veículos e combustível, mas nós ainda precisamos de um aporte maior. Planejamos buscar outras fontes, como doações, e também auxílio indireto de instituições que possam contribuir para essa manutenção de alguma forma”, explica Salvador Gomes.

    Local de pesquisa pouco explorado

    Além da comemoração pelos 40 anos da Universidade à frente da administração das fortificações, 2019 marca também o aniversário de início das obras do sistema defensivo na Ilha, que completa 280 anos. Em virtude da celebração das datas, oficializou-se a cessão permanente da Fortaleza de São José da Ponta Grossa.

    O ato de transferência de uso da área de mais de 17 mil m2 ocorreu no dia 15 de abril de 2019, na sede da Superintendência do Patrimônio da União (SPU-SC) e contou com a presença do reitor Ubaldo Cesar Balthazar. “É um ato histórico. Isso é o começo de um processo que vai nos permitir, a médio prazo, ter também o controle direto das ilhas de Anhatomirim e Ratones (hoje conveniadas com a Marinha), de modo que elas fiquem sob administração definitiva da UFSC. Para nós, isso é importante na medida em que podemos implementar vários projetos, tanto turísticos quanto científicos, e continuar o trabalho de manutenção das fortalezas, pelo seu interesse histórico”, afirmou o reitor na ocasião da assinatura do termo de cessão. 

    As áreas das fortalezas já serviram de campo para alguns projetos de extensão desenvolvidos pela UFSC, nas áreas de pesquisa arqueológica, arquitetura, engenharia civil e aquicultura. Entretanto, segundo relata Tonera, este potencial ainda é pouco explorado. “As fortalezas deveriam ser entendidas como uma espécie de ‘campus avançado’ da Universidade. Elas estão entre as construções mais antigas de Santa Catarina, foram palco e testemunho de importantes momentos de nossa história, são o repositório de técnicas construtivas tradicionais centenárias, representativas da história da arquitetura brasileira. São sítios arqueológicos e patrimônio histórico nacional de grande valor cultural, educacional e turístico, além de estarem localizadas em áreas de grande riqueza ambiental e paisagística, compondo espaços cenográficos pouco comuns em nosso estado”, salientou.

    Ainda de acordo com Tonera, diversas áreas de conhecimento da Universidade poderiam usufruir desta potencialidade, em especial, os cursos de Arquitetura, História, Artes Cênicas, Cinema, Antropologia/Arqueologia, Botânica, Biologia, Engenharia Civil, Letras, Design, entre outros. Para ele, a UFSC deve instituir uma política continuada de integração das fortalezas com a área acadêmica, por meio de trabalho interno de conscientização da comunidade universitária. “De forma mais estrutural, seria importante a inclusão efetiva do estudo das fortalezas na ementa das disciplinas de diferentes cursos. Outra ação de incentivo seria a criação de uma linha de bolsas de incentivo específica, direcionada ao desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão nas fortalezas. Também seria necessário implementar uma política de acesso facilitado às estruturas, tanto terrestre quanto marítima”, afirmou o arquiteto.

    Projetos nas Fortalezas

    Atualmente, dois projetos executados no local merecem destaque. Um deles é a iniciativa de educação patrimonial “Aprender sobre história também é coisa de criança”, concebido e mantido pela Coordenadoria das Fortalezas desde 2017.

    Voltado a estudantes da educação infantil e do ensino fundamental, o projeto visa aproximá-los de aprendizados relacionados à história dos monumentos e sua vinculação com Florianópolis, com o intuito de sensibilizá-los quanto à valorização e preservação do Patrimônio Histórico Nacional.

    Outra linha de ação é capitaneada pelo Laboratório de Fotovoltaica, do Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da UFSC, que implantou na Fortaleza de Santo Antônio um sistema de geração de energia utilizando painéis fotovoltaicos que convertem a radiação solar em energia elétrica. A ilha de Ratones Grande, onde está edificada a fortaleza, é uma reserva de mata nativa. Para preservar este ecossistema, a Universidade passou – após dez anos de uso de geradores a óleo diesel – a ter energia elétrica totalmente limpa e renovável, empregada em serviços de manutenção, bombeamento de água, iluminação de segurança e iluminação de valorização do monumento histórico. 

    Para saber mais

    A Coordenadoria das Fortalezas mantém uma página no Facebook, além do site www.fortalezas.ufsc.br. No site, é possível fazer um passeio virtual, também com acesso a um aplicativo por meio de um tablet ou celular, e saber mais sobre a estrutura de visitação e a história de cada uma das edificações salvaguardadas pela instituição.

    Mais informações sobre as demais fortificações de Santa Catarina, do Brasil e de outros países podem ser acessadas na página www.fortalezas.org – base de dados internacional sobre patrimônio fortificado, também desenvolvida e gerenciada pela UFSC.

    A Coordenadoria está localizada no pavimento térreo do Centro de Cultura e Eventos, campus UFSC Trindade. O contato com o setor também pode ser feito pelo e-mail fortalezas@contato.ufsc.br ou pelo telefone (48) 3721-8302.


  • Defesa essencial

    Publicado em 19/12/2019 às 16:33

    Pesquisador da UFSC desenvolve embalagem com óleos essenciais que protege maçãs do bolor azul

    Caetano Machado

    O alto potencial antimicrobiano de uma embalagem bioativa com óleos essenciais, capaz de atrasar o crescimento e o desenvolvimento do fungo Penicillium expansum nos frutos de maçã, foi um dos resultados da pesquisa de doutorado de Argus Cezar da Rocha Neto no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia e Biociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O trabalho elaborou um tipo de defesa para os frutos com o uso dos óleos essenciais de anis-estrelado e palmarosa, mantendo as características físico-químicas das maçãs.

    Argus, atualmente professor no Centro Universitário Adventista de São Paulo, passou 11 anos na UFSC – além do doutorado, fez mestrado em Biotecnologia e Biociências e graduação em Agronomia. O TCC e a dissertação dele já tratavam do controle do bolor azul em frutos de maçã, algo que não era exatamente do seu interesse quando iniciou o curso. Entre as disciplinas que atraíram o pesquisador ao longo da graduação estava a Fitopatologia (que aborda os conceitos, importância e diagnóstico de doenças de plantas). Sem vaga de bolsista de iniciação científica à época, Argus passou a integrar um grupo de estudo sobre o tema, auxiliando um mestrando em seu projeto. Ele esperou um ano e, quando a vaga surgiu, “era justamente com esse patossistema (P. expansum em frutos de maçã). À medida que fui trabalhando, me apaixonei pelo assunto e resolvi seguir no mestrado e doutorado para me aprofundar nessa linha”, conta.

    O fungo P. expansum é necrotrófico, ou seja, para que ele se desenvolva os tecidos infectados acabam morrendo, explica Argus. “O fungo pode penetrar por ferimentos causados durante o processo de colheita e, até hoje, é considerado como um dos principais fungos patogênicos em pós-colheita da maçã, podendo se manifestar durante todo o período de armazenamento. Se não tomar cuidado, um fruto doente pode infectar até 15 outros”, diz. A primeira manifestação do fungo surge numa mancha pequena, de coloração marrom-clara a castanho. À medida que o tempo passa, o fungo cresce, assim como a lesão. “No final, a maçã está completamente tomada: uma massa de fungo (micélio e esporos) envolve o fruto, com uma coloração azulada. Daí o nome popular ‘bolor azul’”, aponta o pesquisador. Ele ressalta que outro problema vinculado a este patógeno pode afetar diretamente os seres humanos: a produção de uma toxina chamada patulina.

    Extraídos de plantas, os óleos essenciais são uma solução para inibir o desenvolvimento de fungos em decorrência da evaporação e para evitar o uso de agrotóxicos na conservação dos frutos. “Não é necessário que o óleo entre em contato direto com o fungo para matá-lo. Nesse sentido, eles se tornaram uma estratégia interessante de combate, já que pequenas doses seriam capazes de ocupar um grande volume”, relata Argus. “De forma mais específica, o que se observou é que os óleos, ao que os resultados indicaram, danificavam a membrana plasmática dos esporos. Com danos na membrana plasmática, o conteúdo intracelular extravasa para o meio, impedindo que o fungo se desenvolva”, completa.

    Os óleos essenciais são classificados como GRAS – Generally Recognized as Safe (Genericamente reconhecidos como seguros) pelo Food and Drug Administration (órgão regulador dos Estados Unidos para classificação de produtos). “Seguros para o quê? Para o consumo humano e utilização ambiental. Além disso, os óleos essenciais são voláteis, permitindo que os utilizemos de diferentes formas e modos. Já outros produtos e métodos tradicionais muitas vezes não”, afirma Argus.

    O trabalho contou com o teste inicial de 15 óleos essenciais diferentes, tanto em placas de vidro quanto em plástico (uma vez que há interação entre os materiais e os óleos). Os mais promissores para conter esse fungo foram anis-estrelado (Illicium verum), árvore-chá, ou tea tree (Melaleuca alternifolia), e palmarosa (Cymbopogon martinii). Na tese de Argus, a ideia foi aprisionar os óleos essenciais em um tipo de molécula de carboidrato (ß-ciclodextrinas), que possibilita a liberação gradual dos compostos presentes, depositada em um fundo duplo, uma espécie de compartimento da embalagem. “A partir desse fundo duplo, os óleos sairiam das ß-ciclodextrinas por volatilização e controlariam o fungo, ampliando o tempo de prateleira dos frutos”.

    A investigação de Argus buscou uma “embalagem inteligente” para solucionar o problema. Ela é chamada de bioativa porque “contém substâncias que, em uma determinada condição, serão ativadas e trarão algum tipo de benefício. Nesse caso, impedir o desenvolvimento de P. expansum e também prolongar o tempo de prateleira dos frutos”.

    Argus realizou experimentos de permeação para saber qual o tipo de plástico não permitiria que os óleos essenciais saíssem deles (e que não interagissem com o plástico). “Precisava de um plástico que permitisse a troca gasosa do fruto com o ambiente. Realizei uma série de testes e cheguei a um tipo de plástico mais adequado.
    A partir disso, junto à minha orientadora da Michigan State University, definimos um protótipo baseado no mercado americano”. Os resultados do trabalho mostraram, pela primeira vez, a eficiência dos óleos essenciais de árvore-chá, anis-estrelado e palmarosa em controlar o bolor azul, mantendo as características físico-químicas dos frutos. Para a embalagem bioativa, foram utilizados os óleos de palmarosa e anis-estrelado.

    O estudo de Argus só foi possível por conta de bolsa da Capes e de uma instituição particular, o UNASP-EC, para o período sanduíche na Michigan State University (local em que elaborou o encapsulamento e desenvolvimento da embalagem bioativa). “Minha tese demandou muito tempo de bancada. Foram várias horas desenvolvendo o que fiz. Se trabalhasse, certamente não teria conseguido tantos resultados”. Do período de 11 anos na UFSC, Argus guarda boas lembranças: “Fiz vários amigos, conheci bons profissionais, aprendi muita coisa, tanto prática quanto teórica. Mesmo sem bolsa da Capes (para viajar ao exterior), tive a oportunidade de ir para o doutorado-sanduíche com o suporte do meu orientador e coorientador. Sou muito grato pela formação e pelas amizades que construí ao longo dessa jornada, principalmente ao meu orientador de longa data, Robson Marcelo Di Piero, que hoje considero um grande amigo”, conclui Argus.

    Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese 2019

    Além da produção científica, a tese de Argus, “Aplicação de óleos essenciais em embalagens bioativas para o controle do bolor azul (Penicillium expansum) em frutos de maçã”, orientada pelo professor Robson Marcelo Di Piero e coorientada pelo professor Marcelo Maraschin, conquistou a Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese 2019 na área de Biotecnologia. O estudo contou também com um período sanduíche na Michigan State University, nos Estados Unidos, sob a orientação da professora Eva Almenar.


  • A trajetória de um cientista transformada por camundongos e coelhos

    Publicado em 19/12/2019 às 15:57
    Daniela Caniçali

    Carlos Roberto Zanetti, professor titular do departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina (MIP/CCB/UFSC), escolheu a Biologia por gostar de animais e plantas. “Adorava estar na natureza. Um avô, que foi meu grande incentivador, sabia o nome de tudo quanto é árvore, passarinho… Eu ficava fascinado com aquilo”, recorda. Hoje, aos 58 anos, e há 22 como docente, a admiração e respeito pelos bichos permanece. Zanetti tornou-se referência na difusão de métodos alternativos ao uso de animais na ciência. Sua contribuição ao campo da Bioética é fruto de um caminho que inclui, paradoxalmente, amplo uso de animais em atividades acadêmicas.

    Natural de Jundiaí (SP), Zanetti ingressou no curso de Ciências Biológicas em 1980. Ao longo de toda a graduação – e posteriormente no mestrado e doutorado – percorreu diariamente os 60 km que separam sua cidade natal da Escola Paulista de Medicina, na Universidade Federal de São Paulo. “Eu vinha do interior e fiquei fascinado pela escola e pelos professores, todos doutores. Era um outro mundo, um novo universo para mim. Tínhamos uma abundância de aulas práticas, muitas com uso de animais. Aquilo sempre me incomodava, mas eu não tinha a menor capacidade de questionar”, relembra.

    A maioria dos docentes eram recém-chegados de outros países, como França e Inglaterra. Isso o impressionava, ao mesmo tempo em que o intimidava. “Nunca imaginei que teria aulas com professores tão qualificados. Então, apesar de me incomodar com o uso de animais, não tinha coragem de dizer nada. Só depois percebi que havia passado por um processo de transmissão de conteúdos ocultos.” A autoridade de seus professores legitimou, gradualmente, o que, a princípio, era estranho para ele: injetar drogas, dar medicamentos e fazer cirurgias em seres saudáveis, com fins unicamente didáticos. Zanetti explica: “Naquela época, aulas demonstrativas eram amplamente aceitas. Fazíamos castração de ratos para depois acompanhar o peso, a glicemia e outras coisas. Era absolutamente desnecessário castrar um animal apenas para ver o que acontece, uma vez que isso já era sabido há tempos”.

    Algumas situações marcaram sua trajetória acadêmica: em uma aula de Imunologia, os alunos tiveram que induzir um choque anafilático em porquinhos-da-índia. “Na primeira semana nós imunizávamos o animal, na segunda, dávamos um reforço, na terceira, outro reforço. Após esses reforços, os porquinhos, que são muito suscetíveis à alergias, desencadeavam um processo de choque anafilático. Eles tinham dificuldades respiratórias, defecavam e urinavam na bancada. Era um sofrimento! Tentávamos, então, recuperá-los com medicamentos, meramente para ver o que acontecia. Foi uma matança geral, quase nenhum se salvou.”

    Mas, justamente em sua bancada, um porquinho sobreviveu: “Ficou lá todo caído, baqueado, mas não morreu. Aí perguntei para a professora: ‘O que vai acontecer com esse bichinho? Volta para a gaiola?’ Ela disse: ‘Não. Os animais que usamos em aulas e pesquisa são todos sacrificados.’ Aquilo me chocou. Imediatamente pensei: ‘Mas ele sobreviveu! E agora vamos simplesmente matar?’”. Para salvar o animal, Zanetti decidiu levá-lo para casa. “Enfiei na minha mochila e fiquei torcendo para que ele não gritasse, porque eu tinha uma viagem de quatro horas até Jundiaí. Peguei ônibus, trem, metrô… O fato é que consegui chegar com ele em casa, e ele sobreviveu e morou no meu quintal por mais dois anos. Batizei ele com o nome do medicamento que usamos para salvá-lo: Fernegan. Eu adorava o bicho. Ele viveu feliz lá em casa.”

    A história chegou aos ouvidos da professora de Bioquímica Yara Maria Michelacci, de quem Zanetti gostava muito. “Ao final da disciplina, ela deu para cada aluno um mapa das vias metabólicas, com uma dedicatória personalizada. Na minha ela escreveu: ‘Que na minha vida profissional eu nunca perdesse o amor pelos animais’. Naquela época não entendi muito bem. Hoje, vendo em retrospectiva, percebo que ela já sabia o que a vida profissional faria comigo.”

    Pesquisa com animais

    Assim que concluiu a graduação, Zanetti ingressou no mestrado, na área de virologia em raiva. “Na metade da década de 1980, o modelo para tudo o que se fazia em raiva era essencialmente o camundongo. Aí a coisa se naturalizou. Eu fazia inoculação de vírus, esperava a doença se estabelecer, para depois fazer diagnósticos, testar vacinas… Nesses bichinhos, a raiva tem uma evolução muito rápida. Entre cinco e sete dias eles começam a ficar paralíticos e têm dificuldade de alcançar água e comida. Era uma coisa natural, esperar o animal morrer, só para ver em quantos dias isso acontece.”

    O professor relata que “fazia coisas bem traumáticas” e se sentia muito mal. “Com frequência chegava em casa com enxaqueca, mas não percebia que aquilo estava associado ao meu trabalho.” Nos anos seguintes, o uso de animais se intensificou. “Em determinado momento, meu orientador disse: ‘Vamos ter que produzir mais anticorpos e não dá para fazer isso em camundongos, teremos que inocular coelhos.’ Tínhamos, então, cinco coelhos e eu era responsável por imunizá-los. Injetava vacina e, depois de várias semanas, era a hora de sangrá-los.”

    Na primeira vez, Zanetti não sabia como tirar o sangue dos coelhos e recorreu ao orientador. “Ele me pediu para segurar o animal, porque o sangramento seria por punção cardíaca. Uma agulha bem grossa atingiria diretamente o coração do bicho. Eu me surpreendi, pois não sabia que era possível perfurar o coração e ele não morrer.” Naquele momento ele descobriu que, justamente para que o animal não morresse, era preciso segurá-lo com muita força. Qualquer movimento que fizesse, a agulha poderia rasgar o coração do coelho e matá-lo. “Meu orientador repetia ‘Segura firme! Segura firme!’, e foi aquela tensão…”

    Naquela noite, Zanetti teve um sonho perturbador. “Sonhei que a esposa do meu orientador me dizia: ‘Carlos, preciso de um pouco de sangue.’ Respondi: ‘Não tem problema, pode tirar.’ Era comum nós mesmos doarmos sangue um para o outro, para os experimentos. Mas aí ela falou: ‘Terá que ser por punção cardíaca.’ Pegou uma agulha e enfiou no meu coração. Nesse momento eu senti dor e acordei.” Zanetti se emociona ao recordar todos esses momentos. “O que ainda sobrava em mim de solidariedade com os bichos foi se apagando. Passei por um processo crescente de dessensibilização. Criei um mecanismo psíquico, mental e emocional para não sofrer mais. Aquilo se tornou rotina e eu de fato comecei a tratar os camundongos como ‘coisa’.”

    Durante o doutorado, que também cursou na Escola Paulista, fez um período sanduíche na França. “Foi só lá, em 1990, quando vi pela primeira vez algum tipo de cuidado com os animais. Ainda não era um tratamento ético, mas havia uma preocupação. Eles exigiam que fizéssemos um curso para aprender a mexer com animais, o que eu nunca tinha visto no Brasil. Meu orientador francês, em todas as vezes em que faríamos experimentos, trazia cenoura, aveia e arroz para os bichinhos. Ele me explicou porque fazia isso: ‘Eles sofrem tanto e nos dão tanto, então podemos pelo menos dar algo em troca.’ Era um gesto muito simples, mas achei encantador.”

    Novos passos

    Ainda antes de concluir o doutorado, Zanetti foi aprovado em um concurso para pesquisador científico do Instituto Pasteur, em São Paulo. “Trabalhei no Pasteur por 11 anos, onde continuei fazendo experimentos, mas já com vontade de diminuir o uso de animais.” Em 1997, assim que assumiu o cargo de professor da UFSC, passou a integrar o Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos, como representante do Centro de Ciências Biológicas. A experiência, segundo ele, foi muito produtiva. “Fui obrigado a pegar livros, estudar e ler muito. Muitos professores ficavam bravos, diziam que um comitê de ética só iria atrapalhar. Mas isso era realmente necessário porque havia um histórico de abusos. Na história da Medicina, era corriqueiro que cientistas usassem negros, pobres e imigrantes para fazer experimentos sem que os pacientes sequer soubessem. Milhares morreram.”

    Gradualmente, a comunidade científica e autoridades governamentais criaram mecanismos para proteger os indivíduos e evitar que tragédias ocorressem. Dois marcos nessa mudança, no século XX, foram o Código de Nuremberg e a Declaração de Helsinque, que definiram diversas regras a serem cumpridas nas pesquisas com seres humanos. Porém, dentre os dez princípios éticos do Código de Nuremberg, um deles previa que qualquer experimento deveria ser realizado, primeiramente, com animais. “Esses dois documentos foram fundamentais para a ética em pesquisa com seres humanos. E eles foram evoluindo, eram sempre atualizados para proteger cada vez mais os pacientes. Mas a exigência de se fazer experimentos com animais nunca foi revista, o que acabou legalizando e naturalizando essa prática.”

    Em 2000, por determinação de uma lei federal, a UFSC instituiu a Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA), e Zanetti voltou a integrar o grupo. Além de representantes dos departamentos que utilizam animais, também tiveram assento no comitê uma professora do curso de Filosofia e um membro da Sociedade Protetora dos Animais. “Foi um processo de construção bem difícil, pois as linguagens eram muito diferentes e ninguém sabia bem do que se tratava. Precisávamos, primeiro, fazer as normativas para a CEUA funcionar.” As normativas nacionais só foram definidas em 2009. Mas, desde 2004, todos os pesquisadores da universidade que utilizassem animais em suas pesquisas só poderiam fazê-lo após submeter um protocolo para aprovação na CEUA.

    “Teve muito desentendimento. No assento da Filosofia, estava a professora Sônia Felipe, que já tinha uma história acadêmica voltada à defesa dos animais. Quando falavam de ética, ela corrigia: ‘Isso não é ética. A ética precisa de princípios. Qual princípio vocês usam para prender um animal? Vocês dizem que estão alojando, mas ele está preso. É prisão perpétua, sem ter cometido crime.’ Ela corrigia os pesquisadores o tempo todo. Quando diziam ‘vamos sacrificar’, ela respondia: ‘Isso não é sacrifício, o autor desse projeto precisa colocar aí que ele vai matar.’ Isso gerava grandes discussões”, relata o professor. Como os pesquisadores que utilizavam animais eram maioria, os projetos acabavam sempre aprovados. “As pessoas ficavam com medo de votar contra. Eu mesmo me sentia muito constrangido de levantar a mão contra os projetos. Mas fui vendo que tinha uma incoerência entre os parâmetros que usávamos para seres humanos e para não humanos. Se os animais são tão parecidos conosco, a ponto de se justificar usá-los para estudos prévios, por que a lei não os protege? Aquilo foi me transformando e fui de novo atrás de estudar.”

    Zanetti leu, além de artigos sobre Bioética, os livros da própria professora Sônia e “Ética prática”, do filósofo Peter Singer. “Logo entendi que aula demonstrativa com animais não deveria mais existir. Parei de usar e falei, em uma reunião de colegiado, que já não deveria ser assim. Na Europa e outros lugares ninguém mais fazia isso. Havia muita resistência, mas meus colegas da área de Imunologia não demoraram a abolir.” A professora Célia Regina Barardi decidiu filmar todas as aulas práticas de um semestre, o último em que ela usaria animais, e convidou Zanetti para gravar uma apresentação para o vídeo. “Nessa apresentação eu falo: ‘Esses animais que vocês verão aqui foram os últimos que morreram com fins de ensino.’ Fomos o primeiro departamento da UFSC a abolir o uso de animais em aulas práticas. E isso influenciou todo mundo.”

    Gradualmente, suas convicções foram se fortalecendo. Na CEUA, passou a votar contra o uso de animais – apesar de ser sempre voto vencido. “Foi um processo progressivo. Antes eu usava 100 camundongos por ano, depois passei a usar apenas seis. E deixei de treinar meus alunos. Pensava: ‘Pelo menos de mim essas práticas não saem mais.’ Até que chegou um dia em que havia apenas um último camundongo em uma caixinha, que uma aluna de mestrado tinha acabado de usar e não precisaria mais. Ela me disse: ‘Precisamos de espaço e vamos sacrificá-lo.’” Zanetti decidiu então que ele mesmo faria isso. E se emocionou novamente ao se lembrar do último camundongo que teve que matar: “Abri a caixinha e vi ele sozinho. Quando são 20 ou 30, basta colocar em uma câmara de CO2 e eles morrem na hora. Mas quando é só um, fazemos deslocamento da coluna cervical, puxando o rabinho e a cabeça. Quando tive que fazer isso com esse último, foi terrível, terrível.”

    O professor afirma que não teve alternativa, pois o animal havia sido inoculado com vírus e não poderia mais ser solto. Ele segurou o camundongo cuidadosamente com as mãos e pediu-lhe perdão. “Aquilo me marcou muito, e me marca até hoje. Vi como era arrogante eu determinar que aquele bichinho deveria morrer. Eu me coloquei no lugar dele e pensei: ‘Não quero que  façam isso comigo, não dá mais para viver essa hipocrisia.’ Olhava para ele, todo dócil na minha mão, e sabia que não queria mais isso na minha vida.”

    Criou-se então um vácuo em sua carreira. “Eu me perguntava: ‘O que faço agora?’ Até hoje me considero uma pessoa cuja maior expertise é com estudos de raiva. Eu ainda colaborava com o Instituto Pasteur e comecei a pensar em como poderia influenciá-los.” Zanetti passou então a trabalhar com cultura de células suscetíveis ao vírus. “Isso não era nenhuma novidade, mas ainda não havia ninguém aqui que fizesse isso. As pessoas diziam ‘Isso só fazem nos EUA e na Europa, aqui é difícil.’” Com sua contribuição, hoje o Instituto realiza a maioria dos diagnósticos via cultura celular. “Eles têm uma rotina de análises gigantesca. Ainda não aboliram o uso de camundongos, mas diminuíram radicalmente. O mundo está sempre tão ávido por coisas modernas, por novidades, e eu me questiono: matar, mutilar e tirar os tecidos de um animal pode ser de alguma forma moderno? Isso é prática de séculos e séculos passados.”

    Em 2002, Zanetti e seu então orientando de mestrado, Juliano Bordignon, desenvolveram experimentos com uma técnica alternativa ao uso de camundongos, a citometria de fluxo – método que possibilitou a detecção de partículas virais intracelulares, permitindo a verificação de vários parâmetros ao mesmo tempo. Os pesquisadores também elaboraram um padrão para detectar e quantificar anticorpos em pessoas vacinadas. Publicaram os resultados do trabalho na revista internacional Journal of Virological Methods. “Nosso artigo fez bastante sucesso, a ponto de um comitê de especialistas vinculado à Organização Mundial de Saúde (OMS) ter nos convidado para escrever dois capítulos de um livro sobre técnicas de pesquisa em raiva. Esse é um dos meus maiores legados aqui. Muitos autores referenciaram nosso trabalho, em vários países.”

    O professor passou a ser convidado a dar aulas, palestras e cursos sobre Bioética em todo o país. “Eu estava com uma vontade enorme de percorrer um caminho inverso. Então me prometi que, em todas as vezes que tivesse chance, eu abordaria essas questões. Tenho isso como missão.” Ele também é frequentemente requisitado a discursar nas cerimônias de formatura das turmas de graduação. Já foi patrono de duas turmas, paraninfo de cinco e professor homenageado de 13. Nessas ocasiões, faz questão de incluir o assunto em seus discursos: “Precisamos mudar nossa visão de mundo em relação
    aos animais.”

    Influência

    Ao longo de sua trajetória, Zanetti vem influenciando muita gente. “Acho incrível o poder de multiplicação que temos dentro da universidade. Todas as pessoas mais próximas de mim estão em um processo de mudança.” Uma delas é seu amigo e professor da UFSC Aguinaldo Pinto, que também deixou de usar camundongos para testar vacinas de HIV. O pesquisador passou a atuar junto a hospitais públicos, realizando pesquisa com pacientes infectados com o vírus. “Isso é muito mais proveitoso para a sociedade e não interrompeu a carreira dele, muito pelo contrário. Hoje ele estuda sorotipos de HIV, ou seja, variações genéticas do vírus no estado de Santa Catarina, para saber quais circulam por aqui. Isso não existia antes.”

    Zanetti relata essas mudanças com satisfação: “Sinto que estou deixando uma semente.” Entre os estudantes, a contribuição do professor também tem sido significativa. No segundo semestre de 2017, ele ofereceu pela primeira vez a disciplina optativa “Aspectos éticos em pesquisa e ensino com animais”. Inédita na maioria das instituições de ensino, o conteúdo teve ótima receptividade e todas as vagas disponíveis no ano seguinte foram preenchidas. “Acrescentou bastante na minha formação”, avalia o aluno Willian Silva. “Nunca amei tanto uma disciplina. Extremamente inspiradora. Todo mundo deveria fazer!”, diz Núbia de Oliveira.

    As aulas têm a participação de especialistas de diferentes áreas do conhecimento, como Ecologia, Filosofia e Direito. Entre eles está a professora Paula Brügger, que afirma ter grande satisfação em colaborar nas aulas: “É muito importante falarmos disso porque não é só uma questão ética. Os estudantes e a população em geral precisam saber que o uso de animais como modelos de seres humanos não é apenas antiético, por causar sofrimento, mas também anticientífico. Infelizmente existem obstáculos culturais, econômicos e institucionais que impedem a mudança.” Para Sônia Felipe, responsável por lhe despertar muitas dessas reflexões, “Zanetti é um raro cientista, um exemplo do que será a ciência do futuro: nada de testes em animais”.