Clima e uso do solo estão modificando o ciclo da água no Brasil, aponta pesquisa

04/11/2022 09:07

Imagem indica que, onde há cores mais escuras, intensidade das mudanças nas cheias e secas foi mais marcante

A maior parte do território brasileiro ou está secando ou está sofrendo com as cheias, dois eventos climáticos extremos com impactos ambientais e sociais. A conclusão é de um estudo da Universidade Federal de Santa Catarina publicado na Nature Communications, periódico do Grupo Nature, um dos mais prestigiados do mundo. Uma equipe liderada pelo professor Pedro Luiz Borges Chaffe, do Laboratório de Hidrologia da Universidade Federal de Santa Catarina, indicou como ocorre o fenômeno – definido como aceleração do ciclo da água – com base em dados de vazão, chuvas, uso da água e cobertura florestal.

A pesquisa trabalhou com dados dos últimos 40 anos e identificou que há, no Brasil, muito mais pontos de seca e de cheia do que se esperava. “Percebemos um aumento dos extremos e que o manejo da terra está impactando e amplificando o efeito da mudança climática”, destaca Chaffe. “A maior parte do Brasil está secando por causa da mudança de regime de chuvas e aumento do uso da água, com impacto também da cobertura florestal. Tanto o aumento de secas, quanto das cheias traz preocupação”.

As descobertas são parte do doutorado de Vinícius Chagas, orientando de Chaffe, e também tem a co-autoria do professor Günter Blöschl, da Universidade de Viena, na Áustria. Os cientistas analisaram um conjunto de dados disponíveis em 886 estações hidrométricas e cruzaram com indicadores sobre chuvas, cobertura de solo e uso de água.

“Em Santa Catarina, por exemplo, a aceleração do ciclo foi detectada no litoral e no extremo oeste. Apesar de o Estado ter em média mais água disponível ao longo do ano, o litoral e extremo oeste estão ficando cada vez mais suscetíveis a curtos episódios de secas”, explica o professor.

O estudo propõe uma classificação quanto ao aumento dos extremos. O processo de aceleração hídrica – que reúne tanto os dados de inundações mais severas quanto de secas – está relacionada a chuvas mais extremas e desmatamento e ocorre em 29% da área de estudo, incluindo o sul da Amazônia. A pesquisa é parte de um esforço do Laboratório de Hidrologia da UFSC em investigar quais bacias hidrográficas são mais sensíveis a mudanças climáticas para se pensar no planejamento e gestão de recursos hídricos.

O conjunto de dados coletado pelos pesquisadores foi também analisado considerando quatro grandes regiões a partir das suas semelhanças: Sul e Norte da Amazônia e Sul e Sudeste do Brasil. Estes hotspots foram delimitados a partir de suas características semelhantes: no Sul do Brasil e norte da Amazônia foi constatada mais disponibilidade de água por conta do volume de chuvas e cheias. Já o Sudeste está ficando mais seco, processo explicado pelo aumento no uso da água, o que está relacionado à atividade humana.

No Sul da Amazônia, outro dado chamou a atenção: naquela região, as mínimas diminuíram e as máximas aumentaram. Como o padrão de chuvas não mudou, é possível que a aceleração hídrica tenha sido causada por conta da mudança na cobertura vegetal. “Essa aceleração pode levar a grandes impactos na produção global de alimentos, no ecossistema saúde e infraestrutura”, resumem os cientistas no artigo.

Disponibilidade hídrica

Vazão dos rios foi fonte de dados do estudo ( Imagem de luis deltreehd por Pixabay)

A questão geral dos trabalhos realizados no laboratório diz respeito à vazão e disponibilidade hídrica no Brasil. “Os extremos estão mudando – tanto as cheias, quanto as secas. Uma das causas é o volume das chuvas, mas o uso da água também faz com que isso mude, assim como a cobertura da vegetação”, reitera o professor.

Ainda segundo ele, a aceleração do ciclo hidrológico geralmente é analisada por climatologistas com base em dados de chuva e evaporação, porém, no continente esses fluxos são modulados pelas Bacia Hidrográficas. “Nós sabemos que tanto a cheia quanto a seca são afetadas pelas mudanças climáticas, que aumentam esses extremos. Porém, precisamos entender como as características da bacia hidrográfica afetam o que acontece na parte terrestre do ciclo hidrológico”.

O estudo conclui que a menor quantidade de água disponível na seca também está relacionada ao aumento do uso da água, fator que chamou a atenção dos pesquisadores na região Sudeste, por exemplo. “A disponibilidade hídrica também é resultado das mudanças climáticas e no Brasil nós vemos esse fenômeno de aceleração hídrica, que é o aumento dos dois extremos: cheias e secas mais intensas”, indica.

“Nossos dados mostram que as mudanças de vazão têm sido generalizadas no Brasil. Secas ainda mais intensas podem ser encontradas no sul da Amazônia e no sudeste do Brasil, enquanto aumento das cheias podem ser encontrados no norte da Amazônia e no sul do país”, sintetizam os autores.

O estudo também aponta que, no Planalto Central, as secas ficaram pelo menos 48% mais intensas nas últimas quatro décadas. Em Santa Catarina, o fenômeno é oposto: há mais cheias, com dados que demonstram que elas são 18% mais intensas do que no passado. Também no estado, uma cheia que acontecia a cada 100 anos, em média, agora ocorre a cada 70 anos. No geral, os indicadores apontam o fenômeno em todo o território nacional, com mais secas e menos cheias em 42% do Brasil, principalmente na região da expansão do agronegócio. Ainda, na região da Bacia do Rio Doce, onde houve recentes desastres no estado de Minas Gerais, percebe-se o aumento da sazonalidade do clima, com mais chuva durante estação chuvosa e menos chuva na estação seca.

Amanda Miranda, Jornalista da Agecom/UFSC

Podcast UFSC Ciência Ep. 10 – Maconha na medicina

12/03/2020 09:08

Conheça mais sobre o potencial terapêutico da maconha na área médica e como seus princípios ativos estão trazendo qualidade de vida a milhares de pacientes. O CBD e o THC contribuem para o tratamento de bebês e crianças com crises com convulsivas, pacientes submetidos à quimioterapia, pessoas que sofrem com dores crônicas até idosos diagnosticados com mal de Alzheimer.

Para falar sobre o tema, o UFSC Ciência entrevistou os professores Paulo César Trevisol Bittencourt, do curso de Medicina, Tadeu Lemos, do departamento de Farmacologia, e Matheus Felipe de Castro, do curso de Direito. Eles vão nos falar sobre os efeitos da planta, como seus princípios ativos agem em no organismo e como é a regulamentação para o uso destes medicamentos.

> Ouça através do player abaixo:

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CRÉDITOS:

Locução: Camila Raposo e Maykon Oliveira
Produção e roteiro: Maykon Oliveira
Apoio Técnico: Peter e Roque
Edição: Maykon Oliveira e Yusanã Mignoni
Música Tema:Alegorias de Verão”, Modernas Ferramentas Científicas de Exploração.

*Parte dos efeitos sonoros utilizados na edição deste episódio são provenientes de sites com banco de arquivos de áudio de uso liberado: freesound.org e freemusicarchive.org.

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O podcast UFSC Ciência é uma produção da Agência de Comunicação da UFSC. Gravado no Laboratório de Radiojornalismo da UFSC e editado no Laboratório de Gravação e Edição de Som do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC.

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Mais informações, críticas, elogios, sugestões pelo e-mail podcast@contato.ufsc.br.

Cientificamente Falando: Plantas Alimentícias Não Convencionais

27/12/2019 11:58

Você sabia que 90% de todos os alimentos consumidos no mundo são provenientes de somente 20 espécies de seres vivos? E que se estima que existam 30 mil espécies de vegetais comestíveis, dos quais pelo menos 10 mil sejam nativos do Brasil?

A maior parte desses alimentos não é consumida por desconhecimento da população e é nesse contexto que se desenvolve o conceito de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC), tema do segundo episódio da série Cientificamente Falando. Produzida pela Agência de Comunicação (Agecom) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a série explica conceitos científicos com referências ao cotidiano e à cultura pop, em uma linguagem contemporânea e em vídeos animados.
(mais…)

Traduzindo Ciência: Biblioteca Universitária

27/12/2019 11:54

A Biblioteca Central da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) possui mais de 580 mil materiais no seu acervo e uma visitação diária de, aproximadamente, 3,8 mil pessoas. O sistema de bibliotecas da UFSC conta, ainda, com 10 setoriais e duas salas de leitura. Oferece um acervo acessível em braile, digital e audiolivros. Um espaço de interação e descoberta, que possibilita ao visitante, à comunidade, aos estudantes e aos servidores o acesso a obras raras, produção científica por meio da consulta a teses e dissertações, obras literárias dos mais variados estilos e o acesso ao Portal Capes: uma biblioteca virtual com mais de 45 mil títulos com texto completo, 130 bases referenciais, 12 bases dedicadas exclusivamente a patentes, entre outros.

Neste episódio do ‘Traduzindo ciência’, a servidora Gleide Bitencourte José Ordovás fala sobre os serviços da Biblioteca Universitária.

O conto dos contos

19/12/2019 17:18
Gabriel Martins

Rapunzel, João e Maria e A Bela Adormecida são contos de fadas conhecidos por praticamente todos os leitores. Mas Petrosinella; Nennilo e Nennela; e Talia soam estranho mesmo a alguns dos mais apaixonados apreciadores de histórias mágicas. O que poucos sabem é que as personagens mais conhecidas são, em geral, adaptações de contos para adultos publicados na primeira metade do século XVII, como parte de uma mesma história. A obra foi traduzida ao português somente em 2018, como fruto de pós-doutorado realizado por Francisco Degani no Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (PGET/UFSC).

O Conto dos Contos é um dos livros mais antigos a apresentar histórias que séculos depois foram imortalizadas pelos estúdios Disney, e antes adaptadas por Perrault e os irmãos Grimm. Um exemplo é a história Rosicler, de autoria dos irmãos Grimm; Sol, lua e Talia, que inspirou A Bela Adormecida, da Disney; A rainha Marmota, escrito por Ítalo Calvino; e até o filme Fale com Ela, dirigido por Pedro Almodóvar, em 2003.

As diversas histórias compartilhadas pelo povo da região de Nápoles foram adaptadas por Giambattista Basile (1566-1632), no decorrer do século XVII, a partir de suas viagens pelo sul da Itália. Para entreter a corte espanhola que ocupava a região naquele período, Basile agrupou essas histórias tradicionalmente narradas oralmente. Não é sabido como o autor as transmitia para a corte a qual servia. Somente após sua morte que O Conto dos Contos foi publicado, por sua irmã, Adriana Basile, famosa cantora da época.

O livro agrupa 50 histórias em uma única moldura: o conto da princesa que não conseguia rir. A partir dessa grande narrativa, são apresentadas as tramas populares. A obra é, portanto, uma história atravessada por outras 49 histórias curtas, contadas por um grupo de senhoras. Os enredos são recheados de mitos e momentos fantásticos, contando, inclusive, com adaptações de textos mais antigos, como Pigmaleão e Eros e Psiqué, ambas de Ovídio.

Primeira tradução para o português

Perrault e os irmãos Grimm puderam realizar adaptações de histórias presentes em O Conto dos Contos por já terem acesso ao livro traduzido ao francês e ao alemão, algumas décadas após suas primeiras publicações. A inédita tradução do pesquisador da UFSC, lançada pela Editora Nova Alexandria, preenche, assim, uma importante lacuna da literatura para a língua portuguesa. Com seu trabalho, Degani permite aos leitores do idioma o acesso a narrativas tradicionalmente contadas por séculos, e que influenciam, até os nossos dias, algumas das mais marcantes narrativas que mais do que ogros, princesas e animais falantes, retratam parte da história da própria humanidade.

Pobres, Negros e da Periferia

19/12/2019 17:13

Pesquisador da UFSC identifica como o sistema penal criminaliza jovens com menos de 18 anos

Erick Souza

Ao invés de ressocializar e educar, as medidas socioeducativas do sistema penal brasileiro produzem o jovem “menor infrator” e consolidam essa figura. É o que defende a tese de Gustavo Meneghetti no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PGSS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Mais de 26 mil jovens e adolescentes cumprem alguma medida socioeducativa no Brasil. Dentre as mais utilizadas estão as ações de internação, semiliberdade e internação provisória, segundo o levantamento anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) de 2016, último ano da pesquisa. Essas medidas são aplicadas em jovens com menos de 18 anos que cometeram algum ato considerado infracional, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A tese demonstra como, em Santa Catarina, a polícia, o judiciário e as medidas socioeducativas agem de maneira coordenada na criminalização, principalmente, de jovens pobres, negros e moradores das regiões periféricas. Durante a pesquisa, Gustavo investigou documentos do Juizado da Infância e Juventude e das comarcas de Joinville, Chapecó e Florianópolis, de 2015. Naquele ano, entrava em vigor a Lei do Sinase, que estabelece as normas de execução de medidas para jovens e adolescentes que cometem atos infracionais. Ao todo, chegou a analisar 20 processos de apuração e mais 20 processos de execução. “Totalizaram mais de dez mil páginas”, ele afirma. Esses arquivos se referiam a processos de apuração de ato infracional, aplicado em investigações e processos de execução de medida socioeducativa.

“Todos nós participamos dessa colagem gradativa e cumulativa do rótulo de menor infrator sem sequer nos darmos conta disso, apenas cumprindo o nosso dever profissional”, comenta Gustavo, que também é assistente social do Judiciário catarinense. Em sua tese, o pesquisador enquadra e detalha as três fases da construção do ‘menor infrator’, como produto final do ciclo que deveria ressocializar.

A polícia inicia esta rede de criminalização juvenil, com a produção do “menor suspeito”, “a partir de estereótipos e preconceitos sociais e raciais, passando a vigiá-lo e persegui-lo até lograr sua apreensão”, afirma Gustavo. Na segunda etapa, descreve o pesquisador, o Poder Judiciário processa, julga e condena o adolescente criminalizado, principalmente a partir do mecanismo de confissão, independente da gravidade do ato infracional. Nesta segunda etapa, cria-se o perfil do “menor perigoso”, portador de antecedentes criminais, que lhe causa maior exclusão.

A terceira e última fase do processo de criminalização de adolescentes negros e moradores de periferia passa pelo Sistema Socioeducativo, onde o jovem tem de enfrentar condições desumanas que fracassam em ressocializar, mas têm êxito em produzir o “menor infrator”, que interioriza e reproduz este rótulo definitivamente, segundo Gustavo. “O atestado de reclusão e a certidão de óbito são os documentos-símbolos desse fracasso/sucesso”, escreve Gustavo.

Problema complexo

Antes de propor algumas estratégias de resistência, Gustavo alerta: “Não existem soluções simples para problemas de tamanha complexidade”. Com ações voltadas para a opinião pública, ele ressalta a importância de promover debates sobre criminalização juvenil e a violência do sistema penal contra adolescentes, que indiquem formas alternativas de controle social e que defendam os direitos humanos desses jovens. Ele também sugere ações mais práticas, como a abolição de medidas restritivas de liberdade.

“Creio que seja necessário subverter a lógica disciplinar socioeducativa, para estimular o pensar e o agir político do adolescente criminalizado, em vez de discipliná-lo, tratar de reconhecer sua capacidade política”, propõe Gustavo.

Retrato do Sistema Socioeducativo

Pesquisa de Gustavo Meneghetti

  • 82,2% com renda per capita familiar de até meio salário mínimo
  • 86,66% têm ensino fundamental incompleto
  • 73,33% são pardos, negros ou não-brancos

 

Medidas Socioeducativas*

  • Total de 26.450 atendidos, sendo:
  • 18.567 em medida de internação (70%)
  • 2.178 em regime de semiliberdade (8%)
  • 5.184 em internação provisória (20%)

 

Perfil demográfico*

  • 25.360 são homens e 1.090 são mulheres
  • 15. 627 são pretos (3.369) ou pardos (12.258)

 

* Fonte: Sinase – 2016

Prêmio Capes de Tese 2019

Gustavo venceu o Prêmio Capes de Tese pelo trabalho “Na Mira do Sistema Penal: o Processo de Criminalização de Adolescentes Pobres, Negros e Moradores da Periferia no âmbito do Sistema Penal Catarinense” na área de Ciências Sociais Aplicadas. A pesquisa teve orientação da professora Simone Sobral Sampaio.

Na contramão

19/12/2019 17:06

O Brasil ainda utiliza o agrotóxico Sulfluramida

Rosiani Bion

A Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), em vigor desde 2004, realizou a nona Conferência das Partes de 29 de abril a 10 de maio de 2019, em Genebra (Suíça). Como um dos signatários, o Brasil tem se comprometido a adotar medidas para a proteção da saúde humana e do meio ambiente, estabelecidas por países das Nações Unidas, da América Latina e do Caribe. Mas, em alguns casos, o governo brasileiro segue na contramão e ainda não restringiu o uso industrial e tem dificuldades na fiscalização do agrotóxico Sulfluramida.

Os riscos da utilização desse tipo de pesticida se encontram nos compostos químicos gerados pela sua rápida degradação, entre eles o PFOS (Ácido Perfluoroctanoico Sulfônico), um poluente extremamente resistente e bioacumulável. O PFOS não é mais fabricado ou utilizado na maioria dos países signatários da Convenção, já que suas características contribuem para a contaminação da água, do solo, e, inevitavelmente, intoxicam fauna e flora. No que tange à saúde pública, esse composto químico está relacionado a transtornos neurológicos e hepáticos, além de problemas de desenvolvimento em recém-nascidos, baixa imunidade, colesterol elevado, disfunção da tireoide, obesidade, infertilidade masculina, entre outros. Estudos também apontam a possibilidade de a substância ser cancerígena.

A justificativa apresentada por órgãos do governo brasileiro é não ter produto equivalente e, por isso, reitera os pedidos de isenção para continuar utilizando, produzindo e, até mesmo, exportando a Sulfluramida. Em vez de reduzir, a fabricação cresce em larga escala. Além de violar as disposições da Convenção de Estocolmo, o cenário atual preocupa quem estuda o assunto no país e no exterior. Entre os pesquisadores, a professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e oceanógrafa Juliana Leonel dedica-se aos estudos da poluição marinha, com ênfase nos Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs).

Economia perversa

Em seu artigo, intitulado “A Formiga e o Mar” e publicado em 2018, Juliana explica que as análises ambientais e experimentações realizadas em conjunto com o Laboratório de Oceanografia Química da UFSC, em parceria com instituições nacionais e internacionais, demonstraram que o uso do formicida Sulfluramida nos cultivos de pinus e eucalipto é uma importante fonte de PFOS para o ecossistema. Além disso, os resultados das análises evidenciaram que o composto está sendo transportado do local de aplicação até a região costeira do Brasil.

O problema toma proporções ainda maiores ao identificar que o Brasil é um dos grandes produtores de pinus e eucalipto no mundo. A matéria-prima abastece principalmente as indústrias para produção de papel e celulose, lenha e carvão vegetal. Suas plantações ocupam 6,5 milhões de hectares de norte a sul do país, com destaque para os estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Bahia.

Juliana, que também lecionou e iniciou sua pesquisa acadêmica na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 2014, cita o exemplo de cidades no extremo sul do estado baiano, onde quase 50% da área é voltada a esse tipo de cultivo. O interesse econômico também pode ser percebido no aumento, nos últimos anos, da produção de eucalipto no Brasil. O que a torna tão atrativa a empresas do setor são os incentivos fiscais, a flexibilização da legislação ambiental, associados a favoráveis condições climáticas e de adaptação do solo. O tempo de produção também é outro fator positivo. A espécie é originária da Austrália, onde demora quase 30 anos para estar preparada para o corte; já no Brasil, leva em torno de sete.

No decorrer do tempo de cultivo, a Sulfluramida é aplicada na forma de iscas granuladas, para o controle das formigas cortadeiras. Em poucos dias, o defensivo se transforma no PFOS, que será arrastado com a água das chuvas, infiltrando-se no solo, em lençóis freáticos e mananciais.
Até pouco tempo acreditava-se que as razões para este tipo de contaminação estavam relacionadas a áreas urbanas e industriais do país. Após as comprovações das pesquisas, evidenciam-se os efeitos da aplicação do formicida na poluição de rios e oceanos.

Áreas distantes atingidas

A professora destaca que a Sulfluramida nem sequer consta entre os dez pesticidas mais usados no Brasil. E, para entender como se relaciona o perfil do consumo no país com as altas concentrações do PFOS, começou a desenvolver um projeto-piloto na Baía de Todos os Santos, no litoral do estado da Bahia. Para surpresa dos pesquisadores, em regiões afastadas das áreas urbanas e industriais, com produções de eucalipto e drenagem de rios, a contaminação por PFOS remetia ao perfil da Sulfluramida.

Em um experimento com cenouras, foram feitas produções controladas e aplicações de iscas formicidas na forma pura e no solo. O vegetal foi escolhido por ser uma espécie que cresce rápido e também por ser muito usado na alimentação humana. Por 80 dias, periodicamente, foram feitas coletas e foi verificado que o prazo para a degradação da Sulfluramida em PFOS era de apenas duas semanas. O composto tanto era acumulado no solo, como era absorvido pelas folhas e raízes do vegetal.

“A preocupação com o PFOS tomou força no princípio da década de 1990. Estudos da época ligavam o composto a efeitos tóxicos e, a partir daí, começou-se um trabalho de investigação e de monitoramento, de forma a entender o contexto e, ao mesmo tempo, diminuir os níveis de produção dele mesmo”, contextualiza a docente.

O PFOS, argumenta, “faz parte dos compostos perfluorados — que possuem flúor na sua composição — o que permite que seja aproveitado em uma ampla gama de produtos de uso doméstico e industrial”, como, por exemplo, espuma de combate a incêndios, embalagens de alimentos, fitas adesivas, aditivos, produtos de higiene pessoal, maquiagem, impermeabilizantes, protetores antimanchas, praguicidas, estofamentos e carpete.

Em 2009, os países signatários da Convenção de Estocolmo acrescentaram o composto para a sua restrição global, mas alguns usos foram isentos e tiveram autorização para continuar, como o caso do Brasil. Na visão da pesquisadora, é perceptível a falta de interesse em substituir a Sulfluramida no país, por ser um produto extremamente barato comparado a outros praguicidas, e por não ter, até o momento, avanço dos estudos neste sentido.

Para Juliana Leonel, o próximo passo será expandir as amostragens e traçar o perfil de contaminação pelos compostos perfluorados nas diferentes bacias hidrográficas do Brasil. Estes são os objetivos do projeto “Origem, Distribuição e Transporte de PFOS para o Atlântico Sul”, que teve aprovação e auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A professora inicia mais uma etapa de seus estudos e espera que sirva de base para a implantação de políticas públicas, que o Brasil não seja mais uma exceção no mundo e que invista e coloque em prática a melhoria da saúde da população e do meio ambiente.

Prevenção na palma da mão

19/12/2019 16:56

mSmartAVC®: aplicativo móvel atua na prevenção, diagnóstico e aprendizagem sobre o acidente vascular cerebral

Nicole Trevisol

Em 27 de fevereiro de 2018 Camila Rosalia Antunes Baccin conquistava o título de Doutora em Enfermagem. Diante da banca examinadora, ela apresentava o resultado de uma pesquisa de quatro anos: o mSmart AVC – aplicativo móvel para a aprendizagem da detecção e cuidados de enfermagem a pessoa com acidente vascular cerebral.

Segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a segunda causa de mortes entre os brasileiros, uma doença silenciosa provocada quando os vasos que levam sangue ao cérebro entopem ou se rompem. O diagnóstico ágil e o tratamento adequado do AVC dão maiores chances de recuperação completa ao paciente. Por isso, estar atento aos sinais e sintomas é atitude primordial aos indivíduos e aos profissionais de saúde. Foi pensando nessa relação entre prevenção e acompanhamento que Camila uniu sua vivência profissional com a oportunidade de desenvolver, durante o doutorado na UFSC, uma ferramenta tecnológica aberta e gratuita para auxiliar na aprendizagem dos profissionais de saúde no apoio à tomada de decisão durante a avaliação clínica dos pacientes com AVC.

“Ao trabalhar junto a uma equipe voltada ao cuidado com o paciente de AVC, me dei conta da necessidade de qualificar, também, os meus colegas enfermeiros para atuarem em um modelo de atenção. Foi quando decidi focar a minha tese no desenvolvimento de um aplicativo”, revela a doutora. A linha de pesquisa da autora é Tecnologias e Gestão em Educação, Saúde, Enfermagem e está atrelada a uma área chamada de Informática em Saúde. A UFSC é a primeira instituição de ensino pública do Brasil a implantar um Mestrado Profissional em Informática em Saúde que congrega as Ciências da Informação, da Comunicação e da Saúde. “Ao unir essas três áreas, desenvolvemos produtos para melhorar a saúde das pessoas e dar um pouco mais de autonomia aos profissionais de saúde. No caso da Camila, o mSmartAVC® aborda uma das doenças que mais mata no país com o objetivo de identificar rapidamente o AVC por meio de um aplicativo”, diz Dal Sasso.

Usando de inteligência artificial, a ferramenta permite que dois públicos distintos atuem na prevenção, diagnóstico e processo de aprendizagem, reduzindo os índices de mortalidade por AVC. O profissional de enfermagem poderá identificar e atender o paciente de maneira rápida. Já o paciente poderá identificar os seus sintomas e verificar o que pode ser feito. “A ideia é estimular o comprometimento da pessoa em relação a sua saúde, um movimento que está acontecendo naturalmente, uma vez que na atualidade boa parte da população usa a tecnologia via smartphone, o que chamamos de tecnologia persuasiva”, complementa a orientadora, reforçando que o aplicativo compreende tanto a área da educação (profissional) quanto da saúde (usuário).

O desenvolvimento do estudo

A pesquisa de Camila foi divida em três blocos com vistas à construção de um sistema que busca o cuidado mais ágil, seguro e oportuno à saúde: 1) produção tecnológica; 2) avaliação da aprendizagem pré-teste e pós-teste do aplicativo mSmartAVC®; e 3) avaliação da qualidade do mSmartAVC®.

Segundo a autora, os manuscritos produzidos na tese contemplam a produção tecnológica, ou seja, a descrição de todo o processo de desenvolvimento do aplicativo. “Na etapa dois é possível verificar os resultados da aprendizagem antes e depois do uso do aplicativo, como também a descrição da concepção pedagógica utilizada (aprendizagem baseada em problema). A terceira e última etapa avaliou a qualidade do aplicativo por meio do instrumento LORI®, que conferiu um conceito ‘muito bom’ ao mSmartAVC®”, explica Camila.

Participaram da pesquisa 150 pessoas, sendo 115 enfermeiros dos serviços de urgência e emergência e 35 acadêmicos de enfermagem que utilizaram o aplicativo em um estudo quase-experimental, do tipo antes e depois (primeiro testa-se o aplicativo e depois mede-se o nível de aprendizagem; as duas etapas envolvem enfermeiros e estudantes). O resultado da tese mostrou que a ferramenta digital é um potencial espaço para aprendizagem e apoio na tomada de decisão de enfermeiros e acadêmicos de enfermagem do último ano da graduação.

“Usamos cenários realísticos simulados e intuitivos a partir de dois casos clínicos de AVCs: AVC hemorrágico e AVC isquêmico. Por esse motivo, tornou-se uma ferramenta de
aprendizagem fácil”, salienta a pesquisadora. Para Camila, a tecnologia de apoio ao diagnóstico e intervenção de enfermagem favorece o ensino e a tomada de decisão à beira do leito, ou seja, qualifica o cuidado de enfermagem aos pacientes de AVC como também os familiares, que atuam como cuidadores.

“Para mim, a produção de conhecimento precisa contribuir para o bem comum, esse deve ser o primeiro objetivo da ciência. O meu desejo sempre foi além do diploma, busquei desenvolver e implantar uma proposta dentro da linha de cuidados do AVC. Serviços foram estruturados e equipes foram sensibilizadas em torno dessa temática. Esse foi, sem dúvida, o melhor resultado que alcancei em benefício daqueles que mais sofrem”. Grace Dal Sasso sente-se feliz com a conquista de Camila Baccin e realizada, pois é a sua segunda vez no Prêmio Capes de Tese como orientadora. “É gratificante ver que outros profissionais estão seguindo a minha trajetória na pesquisa de processos educacionais em saúde atrelados à tecnologia. O que queremos é desenvolver produtos que tenham impacto social construído a partir de um método científico rigoroso. Temos aqui um exemplo da ciência aplicada na sociedade de maneira gratuita. Não consigo me ver na academia produzindo algo que fique na prateleira, as pessoas têm que usar, assim a ciência faz sentido. Me sinto orgulhosa em fazer parte desse time”, frisa ela.

Atualmente, o mSmartAVC® está em processo de registro de patente, tradução para o inglês e o espanhol e, em breve, estará disponível para dispositivos móveis por meio dos sistemas operacionais Android e iOS. Na UFSC, o Laboratório de Produção Tecnológica em Saúde e Enfermagem e o Grupo de Pesquisa Clínica, Tecnologias e Informática em Saúde e Enfermagem (Lapetec/Giate) estão estruturando uma página on-line que comporte os sistemas desenvolvidos pelos trabalhos vinculados ao programa de Pós-Graduação em Enfermagem e ao Mestrado Profissional em Informática em Saúde, que estarão disponíveis de maneira gratuita aos profissionais de saúde e à população.

Prêmio Capes de Tese 2019

A pesquisa de Camila Baccin foi uma das contempladas no Prêmio Capes de Tese, edição 2019, na área de Enfermagem, e foi avaliada pelo Colégio de Ciências da Vida, Grande Área Ciências da Saúde.

A orientação foi de Grace Teresinha Marcon Dal Sasso, docente no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Quatro doutores da UFSC foram vencedores do Prêmio Capes de Tese 2019, que seleciona anualmente a melhor tese para cada uma das 49 áreas do conhecimento reconhecidas no país. Outros quatro trabalhos da UFSC receberam Menções Honrosas.

Fortalezas da Ilha de Santa Catarina

19/12/2019 16:43

Sistema de defesa da Coroa Portuguesa completa 40 anos sob gestão da UFSC

Maykon Oliveira

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) completou, em 21 de novembro de 2019, quatro décadas à frente da gestão das fortalezas da Ilha de Santa Catarina. Construídas pela Coroa Portuguesa a partir de 1739, com a função de guarnecer a entrada da Barra Norte da Ilha, as fortalezas de Santa Cruz de Anhatomirim, Santo Antônio de Ratones e São José da Ponta Grossa foram projetadas por José da Silva Paes, brigadeiro, engenheiro militar e primeiro governador da capitania de Santa Catarina. As obras deram início ao sistema defensivo da Ilha, que posteriormente foi ampliado com outras dezenas de fortificações, como fortes, baterias e trincheiras.

Para o arquiteto Roberto Tonera, que trabalha com os monumentos há cerca de 30 anos, a criação das fortalezas está diretamente relacionada ao nascimento do estado de Santa Catarina, do ponto de vista político-administrativo. “Silva Paes foi o autor, projetista e idealizador desse sistema defensivo. O que é que ele pretendia com essas fortalezas? Primeiro, garantir a posse do território da Ilha de Santa Catarina para os portugueses, defendendo-a contra qualquer nação inimiga, em especial, a Espanha – que era, naquele momento, no século XVIII, o mais próximo em disputa por toda essa parte do continente da América do Sul”, relatou Tonera.

“A posse dependia então de um sistema de fortificações que garantisse o território e o apoio logístico entre o Rio de Janeiro, onde Portugal tinha o seu vice-reinado, e o Sul. Quatro fortalezas foram construídas inicialmente, entre 1739 e 1744”, completou Tonera, incluindo também a edificação da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, na Barra Sul.

Santa Catarina chegou a somar cerca de 40 fortificações até o início do século XIX. Porém, ainda na primeira metade daquele século, a maioria das construções já havia desaparecido, por arruinamento, abandono ou demolição. Mesmo o tombamento como patrimônio histórico brasileiro, em 1938, pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) – atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – não foi suficiente para assegurar a preservação ou a recuperação dessas construções. As fortificações que permaneceram ativas encontravam-se em péssimo estado de conservação; o sistema defensivo amargava dias de descaso, de modo que algumas das construções estavam desmoronando e totalmente cobertas
pela vegetação. 

Na década de 1970, o Iphan começou as obras de restauro na Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim e, ao fim da década, a UFSC assumiu a tutela do monumento por meio de um convênio assinado entre a Universidade, o Iphan e a Marinha do Brasil. “Em 1979, tivemos uma decisão que considero muito corajosa e histórica por parte do reitor Caspar Erich Stemmer. Apesar de todas as dificuldades financeiras e logísticas para assumir um patrimônio dessa magnitude, a Universidade decidiu adotar a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim (…) Eu não conheço outra universidade – nem no Brasil, nem fora – que seja gestora de um patrimônio dessa dimensão”, ressaltou Tonera. A fortaleza foi aberta à visitação pública em 1984. Sete anos mais tarde, as fortalezas de Santo Antônio de Ratones e São José da Ponta Grossa passaram à guarda da UFSC, tendo sido abertas ao público em 1992.

Candidatura a Patrimônio Mundial

As edificações de Anhatomirim, hoje em área de jurisdição do município de Governador Celso Ramos, e de Ratones, pertencente a Florianópolis, atualmente integram o Conjunto de Fortificações do Brasil, candidato a Patrimônio Mundial. Composto por 19 fortificações situadas em dez estados brasileiros, o conjunto está entre os bens que integram a Lista Indicativa brasileira a Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O grupo representa as construções defensivas implantadas no território nacional, nos pontos que serviram para definir as fronteiras marítimas e fluviais que resultaram neste que é o maior país da América Latina. A proteção, a conservação e a gestão das fortificações serão pilares a serem considerados no processo de avaliação da candidatura. 

Além da UFSC, compõem o comitê de candidatura: o Iphan, a Marinha do Brasil, a Secretaria do Patrimônio da União, o Governo do Estado de Santa Catarina, os municípios de Florianópolis e de Governador Celso Ramos, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Associação Catarinense de Conservadores e Restauradores, a Convention Bureau e a Associação Náutica Brasileira (Acatmar). “Todos os entes se propõem a trabalhar conjuntamente para valorizar, prestigiar, difundir e, efetivamente, utilizar as fortalezas e todo o seu potencial; seja na área turística, cultural ou educacional. A sociedade precisa se apropriar dessas fortalezas. Assim, a Unesco vai entender que estamos dispostos a zelar por esse patrimônio”, frisou Tonera. 

“Embora este seja um patrimônio secular, nosso trabalho está sendo feito no sentido de pensar no seu futuro, de qualificá-lo e mantê-lo como patrimônio”, disse Salvador Gomes, dirigente da Coordenadoria das Fortalezas da Ilha de Santa Catarina. Desde 2016, o órgão administrativo da Universidade, vinculado à Secretaria de Cultura e Artes (SeCArte), é responsável pelo gerenciamento, guarda, manutenção e conservação das fortalezas.

Cerca de 200 mil visitantes por ano

Os canhões, as guaritas, a casa de pólvora e tantos outros elementos que compõem as fortalezas atraem milhares de turistas brasileiros e estrangeiros todos os anos. Em 2018, a Universidade registrou 196 mil visitantes nas três unidades sob sua responsabilidade. Para Salvador, o trabalho da instituição é essencial, pois possibilita ao público aprender mais sobre um período tão importante da história de Santa Catarina. “São quase 200 mil visitantes que, graças a esse esforço, estão tendo acesso à nossa história. As fortalezas, além de terem sido essenciais para a ocupação do território, fizeram parte de uma estratégia que trouxe os açorianos para cá”, destacou Salvador.

Desde 2018, a Fortaleza de São José da Ponta Grossa passou a contar com o serviço de guia de turismo.
A iniciativa é desenvolvida por meio do projeto de extensão “Turismo receptivo na Fortaleza de São José da Ponta Grossa”, que oportuniza aos estudantes do curso técnico de Guia de Turismo, do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), colocarem em prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula. Bolsistas e voluntários acompanham grupos de visitantes interessados em serem guiados para contar, com detalhes, informações acerca da fortaleza. Além de melhorar o atendimento e a experiência dos turistas, o serviço torna o passeio mais completo, uma vez que permite conhecer personagens e curiosidades do local.

A parceria com o curso do IFSC ocorre todos os domingos, inclusive nos dias de visita gratuita ao local (sempre nos primeiros domingos de cada mês). A visitação gratuita também é realizada nas outras duas fortalezas nos mesmos moldes; porém, sem os guias de turismo.  Localizada na Praia do Forte, a Fortaleza de São José é a única fortificação que pode ser acessada por via terrestre. Já a Fortaleza de Santa Cruz e a Fortaleza de Santo Antônio ficam localizadas, respectivamente, nas ilhas de Anhatomirim e Ratones Grande, na Baía Norte da Ilha de Santa Catarina. A UFSC não oferece traslado às ilhas, mas disponibiliza em seu site as empresas que fazem o transporte náutico na região.

Atualmente, os monumentos podem ser visitados todos os dias da semana das 9h às 17h, com exceção da Fortaleza de São José da Ponta Grossa, que fecha entre 12h e 13h. Os ingressos custam R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia-entrada), e a renda obtida com a taxa de visitação é utilizada na manutenção do local.
“A UFSC dá subsídios em outras questões, como veículos e combustível, mas nós ainda precisamos de um aporte maior. Planejamos buscar outras fontes, como doações, e também auxílio indireto de instituições que possam contribuir para essa manutenção de alguma forma”, explica Salvador Gomes.

Local de pesquisa pouco explorado

Além da comemoração pelos 40 anos da Universidade à frente da administração das fortificações, 2019 marca também o aniversário de início das obras do sistema defensivo na Ilha, que completa 280 anos. Em virtude da celebração das datas, oficializou-se a cessão permanente da Fortaleza de São José da Ponta Grossa.

O ato de transferência de uso da área de mais de 17 mil m2 ocorreu no dia 15 de abril de 2019, na sede da Superintendência do Patrimônio da União (SPU-SC) e contou com a presença do reitor Ubaldo Cesar Balthazar. “É um ato histórico. Isso é o começo de um processo que vai nos permitir, a médio prazo, ter também o controle direto das ilhas de Anhatomirim e Ratones (hoje conveniadas com a Marinha), de modo que elas fiquem sob administração definitiva da UFSC. Para nós, isso é importante na medida em que podemos implementar vários projetos, tanto turísticos quanto científicos, e continuar o trabalho de manutenção das fortalezas, pelo seu interesse histórico”, afirmou o reitor na ocasião da assinatura do termo de cessão. 

As áreas das fortalezas já serviram de campo para alguns projetos de extensão desenvolvidos pela UFSC, nas áreas de pesquisa arqueológica, arquitetura, engenharia civil e aquicultura. Entretanto, segundo relata Tonera, este potencial ainda é pouco explorado. “As fortalezas deveriam ser entendidas como uma espécie de ‘campus avançado’ da Universidade. Elas estão entre as construções mais antigas de Santa Catarina, foram palco e testemunho de importantes momentos de nossa história, são o repositório de técnicas construtivas tradicionais centenárias, representativas da história da arquitetura brasileira. São sítios arqueológicos e patrimônio histórico nacional de grande valor cultural, educacional e turístico, além de estarem localizadas em áreas de grande riqueza ambiental e paisagística, compondo espaços cenográficos pouco comuns em nosso estado”, salientou.

Ainda de acordo com Tonera, diversas áreas de conhecimento da Universidade poderiam usufruir desta potencialidade, em especial, os cursos de Arquitetura, História, Artes Cênicas, Cinema, Antropologia/Arqueologia, Botânica, Biologia, Engenharia Civil, Letras, Design, entre outros. Para ele, a UFSC deve instituir uma política continuada de integração das fortalezas com a área acadêmica, por meio de trabalho interno de conscientização da comunidade universitária. “De forma mais estrutural, seria importante a inclusão efetiva do estudo das fortalezas na ementa das disciplinas de diferentes cursos. Outra ação de incentivo seria a criação de uma linha de bolsas de incentivo específica, direcionada ao desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão nas fortalezas. Também seria necessário implementar uma política de acesso facilitado às estruturas, tanto terrestre quanto marítima”, afirmou o arquiteto.

Projetos nas Fortalezas

Atualmente, dois projetos executados no local merecem destaque. Um deles é a iniciativa de educação patrimonial “Aprender sobre história também é coisa de criança”, concebido e mantido pela Coordenadoria das Fortalezas desde 2017.

Voltado a estudantes da educação infantil e do ensino fundamental, o projeto visa aproximá-los de aprendizados relacionados à história dos monumentos e sua vinculação com Florianópolis, com o intuito de sensibilizá-los quanto à valorização e preservação do Patrimônio Histórico Nacional.

Outra linha de ação é capitaneada pelo Laboratório de Fotovoltaica, do Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da UFSC, que implantou na Fortaleza de Santo Antônio um sistema de geração de energia utilizando painéis fotovoltaicos que convertem a radiação solar em energia elétrica. A ilha de Ratones Grande, onde está edificada a fortaleza, é uma reserva de mata nativa. Para preservar este ecossistema, a Universidade passou – após dez anos de uso de geradores a óleo diesel – a ter energia elétrica totalmente limpa e renovável, empregada em serviços de manutenção, bombeamento de água, iluminação de segurança e iluminação de valorização do monumento histórico. 

Para saber mais

A Coordenadoria das Fortalezas mantém uma página no Facebook, além do site www.fortalezas.ufsc.br. No site, é possível fazer um passeio virtual, também com acesso a um aplicativo por meio de um tablet ou celular, e saber mais sobre a estrutura de visitação e a história de cada uma das edificações salvaguardadas pela instituição.

Mais informações sobre as demais fortificações de Santa Catarina, do Brasil e de outros países podem ser acessadas na página www.fortalezas.org – base de dados internacional sobre patrimônio fortificado, também desenvolvida e gerenciada pela UFSC.

A Coordenadoria está localizada no pavimento térreo do Centro de Cultura e Eventos, campus UFSC Trindade. O contato com o setor também pode ser feito pelo e-mail fortalezas@contato.ufsc.br ou pelo telefone (48) 3721-8302.

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