Laboratório da UFSC atua há mais de 20 anos em pesquisas na área de virologia humana e ambiental
Rosiani Bion de Almeida
Ideia pioneira que se consolidou e se projetou para além da universidade, o Laboratório de Virologia Aplicada (LVA) da UFSC existe há 25 anos e faz parte da jornada acadêmica de Cláudia Maria Oliveira Simões, do Centro de Ciências da Saúde (CCS), e Célia Regina Monte Barardi, do Centro de Ciências Biológicas (CCB). Duas professoras com um objetivo em comum: desenvolver as primeiras pesquisas com vírus na instituição.
Criadoras e coordenadoras do LVA, Cláudia e Célia consolidaram, ao longo dos anos, um trabalho comprometido com “a geração de conhecimento científico e formação de pessoal altamente qualificado”. Isso se traduz na orientação de alunos brasileiros e estrangeiros e na atuação de egressos do laboratório na própria UFSC, em outras universidades, órgãos governamentais, fundações, institutos e centros de pesquisa.
O começo de tudo
Em 1992, no início dessa trajetória, Cláudia havia acabado de retornar do seu doutorado em Ciências Biológicas e da Saúde pela Universidade de Rennes I, na França, e Célia Barardi havia recém-ingressado na UFSC e trabalhava em cooperação com o Laboratório Central de Saúde Pública de Santa Catarina (Lacen).
O primeiro espaço físico do LVA era localizado nas antigas dependências do Laboratório de Anatomia Patológica, onde permaneceu até 1997. A atual estrutura, no terceiro andar do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia (MIP), possui ambientes próprios para ensaios envolvendo cultura de células, processamento de amostras, análises microbiológicas, bioacumulação de agentes infecciosos, manipulação de ácidos nucléicos e eletroforese.
Hoje Cláudia e Célia lideram dois grupos de pesquisa, dos quais participam alunos e professores dos programas de pós-graduação em Farmácia e em Biotecnologia e Biociências. Cláudia desenvolve a linha de pesquisa “Análise e desenvolvimento de fármacos de origem natural” e Célia, a de “Patógenos ambientais”.
Nas pesquisas que Cláudia coordena — envolvendo produtos de origem natural ou sintética com atividades farmacológicas para a promoção do potencial biotecnológico e farmacêutico da biodiversidade nacional —, o LVA executa a parte pré-clínica: a triagem das amostras e a elucidação dos seus mecanismos de ação, envolvendo infecções virais ou alguns tipos de cânceres.
“Para um medicamento chegar ao mercado, ele passa por um longo processo de pesquisa e desenvolvimento. O nosso trabalho consiste nas etapas iniciais”, explica. A pesquisadora conta com a parceria de grupos nacionais e internacionais para estudos de produtos oriundos da biodiversidade brasileira. São analisadas plantas medicinais, fungos (cogumelos), animais terrestres e marinhos (esponjas, corais, ostras, camarões e outros) e compostos obtidos por síntese ou semissíntese.
O grupo de pesquisa já avaliou cerca de 1500 extratos brutos e purificados de origem natural, e mais de mil substâncias sintéticas, gerando a publicação, até o momento, de 171 trabalhos em periódicos científicos e cinco pedidos de proteção intelectual ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Desde 2007, o LVA estuda também a absorção intestinal e tópica dos medicamentos e sua aplicação, utilizando metodologias in vitro e ex vivo. Para isso, estabeleceu parcerias com as universidades de Uppsala, na Suécia, e a de Monash, na Austrália, e obteve apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc).
De 2009 a 2014, o LVA participou da Rede de Nanobiotecnologia Nanofito, com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A UFSC, em conjunto com as universidades federais de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, avaliaram as ações anti-herpética e antitumoral de produtos naturais com base nanotecnológica.
Nesse mesmo período, Cláudia participou de dois importantes projetos internacionais financiados pelo International Research Staff Exchange Scheme (IRSES), e pela Fundação Marie-Curie, da Comunidade Europeia. O primeiro, que envolveu Alemanha, Portugal, Turquia e Brasil, representado pela UFSC e UFMG, pesquisou plantas do gênero Digitalis, sua taxonomia molecular, preservação, fitoquímica, ações anti-herpética e antitumoral. No segundo projeto participaram Áustria, Grécia, África do Sul, EUA, Suíça e Brasil, representado pela UFSC e UFRGS, investigando a ação cardiotóxica de plantas medicinais brasileiras, europeias e africanas.
Os trabalhos atuais têm como objeto de estudo as cucurbitacinas e os cardenolídeos (compostos isolados de plantas nativas brasileiras ou obtidos por semissíntese) e envolvem estudos fitoquímicos, de síntese orgânica, de tecnologia farmacêutica e de aplicação de modelos in vitro e in vivo.
Frutos do mar
Em 1996 o LVA iniciou a linha de pesquisa de contaminantes do ambiente aquático, em um momento de expansão da maricultura em Santa Catarina. O estado é o principal produtor de ostras do país e, para oferecer um produto de qualidade e seguro para consumo, é analisado o nível de poluição em moluscos comestíveis e nas águas do litoral catarinense. “Trabalhamos com vírus de transmissão fecal oral e utilizamos tanto técnicas de cultura celular como molecular”, explica Célia. A bioacumulação viral, mecanismo natural de filtração dos patógenos em moluscos, é a ferramenta básica utilizada pelo LVA para a posterior detecção de vírus em ostras.
O laboratório analisa também vários tipos de bactérias e vírus entéricos que podem ser transmitidos por moluscos, conduzindo estudos referentes à depuração das ostras em tanques com luz ultravioleta. Além de detectar vírus como os da Hepatite A, Rotavírus, Norovírus e Adenovírus, o monitoramento permite que seja avaliada a quantidade de coliformes nas águas de cultivo e a presença de bactérias dos tipos salmonelas e estafilococos.
Em 1998 o LVA passou a integrar o Brazilian Mariculture Linkage Program (BMLP), dirigido pelos professores Carlos Rogério Poli, do Centro de Ciências Agrárias (CCA/UFSC), e Jack Littlepage, da Universidade de Victoria, no Canadá. Durante os cinco anos de convênio, o laboratório recebeu apoio financeiro da Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional, o que permitiu que adquirisse equipamentos e se estruturasse nessa linha de pesquisa. Nesse período houve intensas colaborações e intercâmbio de docentes e discentes entre Brasil e Canadá. Foram oferecidos cursos de treinamento de controle sanitário de moluscos bivalves nas universidades federais do Espírito Santo, Bahia, Maranhão e Rio Grande do Norte.
Recentemente, o LVA conduziu um projeto colaborativo com o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) para avaliar a qualidade sanitária da espécie Amalocardia braziliensis, popularmente conhecida como berbigão, ameaçada de extinção.
Além dos estudos envolvendo a maricultura, o LVA atua em outra frente de interesse para a economia catarinense: a suinocultura. Os pesquisadores avaliam o reuso seguro de águas, além dos produtos de biodigestores para posterior utilização como biofertilizantes confiáveis. Também desenvolvem trabalhos de monitoramento viral de águas de consumo e de esgoto tratado em sistemas alternativos. Atualmente, o campo de ação dos projetos na área ambiental se ampliou por meio de colaborações com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) — Suínos e Aves, de Concórdia (SC), e a de Gado de Leite, de Juiz de Fora (MG).
O LVA é um dos pioneiros da virologia ambiental no Brasil e serviu de base para a abertura dessa linha de pesquisa em outras universidades e institutos de pesquisa no país. Seus estudos resultaram, até o momento, em 77 trabalhos publicados em periódicos científicos e três capítulos de livros.