UFSC Ciência
  • Impactos milenares do clima

    Publicado em 18/12/2017 às 09:19

    Pesquisa estabelece curva de variação do nível do mar em Santa Catarina

    Caetano Machado

    As variações do nível do mar são cíclicas, ocorrem ao longo do tempo geológico e são influenciadas pelos processos de aquecimento e resfriamento do planeta. Pesquisadores do Grupo de Oceanografia Costeira da UFSC, que integram o projeto Stratshore, fazem o seguinte questionamento: como as alterações climáticas dos últimos 10 mil anos afetaram a plataforma continental – a parte do fundo do mar que inicia junto à costa – da Ilha de Santa Catarina e região adjacente?

    Eles também analisam o reflexo dessas influências na estratigrafia e na evolução morfodinâmica de longo prazo, ou seja, tentam identificar a acumulação das camadas nos fundos marinhos e como se movimentaram nesta escala de tempo. O Stratshore já obteve resultados inéditos sobre a evolução da plataforma continental interna de Santa Catarina — uma região caracterizada pela presença de enseadas intercaladas por promontórios rochosos —, utilizando métodos de geofísica rasa de alta resolução, estratigrafia e geomorfologia.

    “A estratigrafia é um ramo da Geociências que se preocupa com a distribuição, origem, propriedades, conteúdo, posição e correlações entre as unidades estratigráficas, principalmente de origem sedimentar”, explica Ricardo Piazza Meirelles, pesquisador bolsista do projeto pelo CNPQ – Ciência sem Fronteiras, atração de Jovens Talentos. Numa definição clássica, seria “a descrição dos corpos rochosos que formam a crosta da terra e sua organização em unidades mapeáveis distintas, com base em suas propriedades e atributos intrínsecos”.

    A pesquisa estabelece o ajuste de uma curva de variação relativa do nível do mar durante o Holoceno – os últimos dez mil anos antes do presente – para a plataforma interna adjacente à Ilha de Santa Catarina. “Nossa motivação é tentar entender como ocorreu o desenvolvimento da plataforma continental de Santa Catarina. Essa curva permitiu discutir e compreender os impactos das variações climáticas na zona costeira e plataforma continental interna em escala geológica para o Hemisfério Sul, em especial o Sul do Brasi”, observa Ricardo.

    Avanços

    Os resultados também descrevem e comparam aspectos da estratigrafia e evolução morfodinâmica dos depósitos em subsuperfície, inéditos para Santa Catarina, utilizando métodos de geofísica rasa de alta resolução. Para Ricardo, o Stratshore representa um avanço nas interpretações destas camadas, que dificilmente seriam detectadas e descritas sem a aquisição dos dados geofísicos.

    As expedições marítimas do projeto trouxeram dados geofísicos inéditos (250 quilômetros de linhas sísmicas rasas de alta resolução e dados batimétricos) graças a diferentes equipamentos, como Boomer, Chirp e MK-3. “Esses dados foram tratados com a utilização de softwares específicos para o tratamento de dados sísmicos como, por exemplo, o SonarWiz e, mais recentemente, o Meridata, para posteriormente serem interpretados e discutidos”, conta Ricardo.

    Discussões mais consistentes sobre a evolução geológica da região foram substancialmente incrementadas com os resultados do Stratshore, que servem como base para estudos em outras regiões do Brasil e do mundo. De acordo com Ricardo, “houve, pela primeira vez no Brasil, uma integração da planície costeira com a plataforma continental interna. Esses resultados combinados possuem consequências para o tratamento de dados estratigráficos e sismoestratigráficos aplicados tanto à planície costeira, quanto às regiões marinhas submersas”.

    As variações do nível do mar são cíclicas e ocorreram ao longo de todo o tempo geológico, esclarece Ricardo: o que proporciona essas oscilações são, principalmente, o aquecimento e o resfriamento do planeta. “O aquecimento global favorece que a água aprisionada nas calotas polares como gelo derreta e vá para o oceano, aumentando a quantidade de água, o que forçaria uma subida do nível do mar, uma transgressão marinha sobre o continente e alagamento. O oposto ocorre quando acontece o resfriamento da terra: a água do mar, durante períodos de resfriamentos ou glaciações, é aprisionada na forma de gelo nas calotas polares ou em regiões sob a influência desse resfriamento, o que força uma regressão marinha. Ou seja, o nível do mar recua.” As evidências desta ciclicidade estão marcadas ao longo do tempo.

    Colaborações

    Além de avançar no entendimento dos processos e da estratigrafia da região da plataforma interna de Santa Catarina, o Stratshore foi importante para estabelecer uma rede de colaboração nacional e internacional e capacitar os profissionais envolvidos, avalia Ricardo. Um exemplo do alcance dos resultados foi a publicação de um artigo científico em um periódico internacional de prestígio, o Marine Geology, sobre um estudo de caso na Baía de Tijucas, região adjacente à Ilha de Santa Catarina. Uma grande acumulação de lama na praia é visível neste local. De acordo com Ricardo, “estudos anteriores mostravam, através de perfurações geológicas e datações, que essas acumulações de lama ultrapassavam 10 metros de espessura”.

    “Quando analisamos outras baías próximas que sofrem influência de aporte fluvial, não observamos grande quantidade de lama na praia, o que ocorre na região de Tijucas, em que toda a praia é dominada por lama”, relata o pesquisador. Algumas hipóteses foram desenvolvidas pelos pesquisadores e a principal pergunta foi: por que esta deposição tão acentuada, especificamente neste local?

    Uma das suspeitas é que a lama foi aprisionada desde o Holoceno. “Nós direcionamos parte de nossos esforços a obter dados de geofísica na Baía de Tijucas. Depois do tratamento de dados, interpretações e discussões, conseguimos observar barreiras arenosas que se formaram na região da plataforma interna, um pouco mais profundas, cerca de 15 a 20 metros de profundidade do nível atual, e que durante a sua formação foram uma das grandes responsáveis pela acumulação de lama na Baía de Tijucas”, analisa o pesquisador.


  • Livros que curam

    Publicado em 18/12/2017 às 09:18

    A Biblioterapia, campo de pesquisa e extensão na UFSC, promove o potencial terapêutico da leitura e contação de histórias

    Bruna Bertoldi Gonçalves

    Para o escritor Marcel Proust, a leitura é um milagre que acontece na solidão. Para o filósofo Jean-Paul Sartre, há, no ato de ler, um pacto de generosidade entre autor e leitor. E cuidar do corpo e da mente por meio da leitura, contação ou dramatização de histórias é a proposta da Biblioterapia, prática cujos primeiros estudos no Brasil datam da década de 1970. A atividade pode ser desenvolvida com pessoas de todas as idades e nos mais variados ambientes, de forma individual ou em grupo. O que muda é o texto escolhido, a modalidade de aplicação e o diálogo estabelecido após a história.

    “Biblioterapia é a terapia por meio dos livros. Há diferentes acepções para as palavras livro e terapia. Mas, nesse caso, livro seria um texto literário com potencial de ‘tratar’ os seres humanos”, afirma a professora do Departamento de Ciência da Informação do Centro de Ciências da Educação (CIN/CED/UFSC), Clarice Fortkamp Caldin.

    Por ser uma prática barata e prazerosa, a Biblioterapia pode, na avaliação da professora, suscitar emoções, causar alívio, produzir o riso, gerar a identificação, projeção, introjeção e introspecção — o leitor pode projetar nos personagens os sentimentos incômodos que o assolam, introjetar qualidades que admira e desenvolver a capacidade de perceber o que se passa em seu interior.

    “Existem mil e uma definições sobre a leitura e teorias sobre sua importância na vida pessoal, escolar, acadêmica e profissional. Mas, no processo terapêutico, a leitura alivia o coração e age como um bálsamo. Pelos livros — o que também se aplica à contação ou dramatização de histórias —, estimula-se a imaginação e provoca-se emoções”, afirma a estudiosa.

    A história é selecionada de acordo com as características e faixa etária do público, para que os componentes biblioterapêuticos (catarse, identificação e introspecção) atuem de forma eficaz. “A catarse é visível. É possível perceber quando um texto literário tira a pessoa da apatia, do desânimo, proporcionando um alívio temporário de suas aflições,” afirma Clarice.

    A catarse é uma forte reação emocional, seguida por uma sensação de bem-estar, com diminuição da tensão interna. “O termo ‘catarse’ foi utilizado por Aristóteles para descrever a experiência emocional da audiência de uma peça trágica. Originalmente, o termo grego significava ‘purgação’ e, no meio médico, era utilizado para descrever medicamentos de efeito laxativo. Por analogia, a reação a uma tragédia seria a experiência de uma descarga emocional: o grande sofrimento do protagonista é seguido por uma sensação de alívio”, esclarece o psicólogo do Serviço de Atenção Psicológica (Sapsi/ UFSC), Erikson Kaszubowski.

    Carla Sousa da Silva, que foi orientanda de Clarice no mestrado em Ciência da Informação da UFSC, escolheu como objeto de estudo a biblioterapia: “Apesar de ser um tema desconhecido, a maioria de nós já vivenciou o poder terapêutico de histórias. Em algum momento das nossas vidas, um conto, poesia ou romance já serviu como alívio para nosso corpo e alma. Isso é biblioterapia.”

    Carla realizou quatro sessões terapêuticas com alunos do curso de Biblioteconomia da universidade em junho de 2016, durante seu estágio de docência. Os encontros ocorreram na biblioteca do Centro de Educação (CED), com duração de 30 minutos. “A sessão iniciava com uma atividade de relaxamento. Depois, eu lia uma história curta, conto ou poesia, e em seguida conversávamos. O momento do diálogo, na prática da biblioterapia, é muito importante”, explica.

    Conduzir a leitura, contação e dramatização dos textos de maneira agradável, fortalecer a relação de amizade que a atividade desperta nos grupos, mostrar-se acessível e ter uma postura de cumplicidade com o texto e o público são algumas atribuições dos aplicadores da biblioterapia. Tranquilidade e equilíbrio estão entre os benefícios apontados por quem vivenciou a prática. “Para os alunos, a experiência trouxe leveza. Essa sensação agradável ocorre pois, por alguns instantes, as pessoas esquecem o mundo lá fora e se voltam para a história e para os personagens, que os conduzem para seu mundo interior”, relata Carla.

    “Depois dos encontros, a pessoa se sentia mais preparada para enfrentar os desafios da vida. É bonito ver o poder das histórias atuando nas pessoas”, afirma. Além de desenvolver trabalho voluntário em um abrigo de crianças em Florianópolis, onde conta histórias, Carla promove práticas de yoga associada à biblioterapia. “Também uso a biblioterapia como minha terapia particular. As histórias sempre me ajudam a me olhar e a ver o mundo ao redor com outros olhos.” Em sua dissertação de mestrado, Carla analisa a prática no Brasil e na Polônia: “A Polônia é um dos lugares onde há muita produção bibliográfica sobre o assunto e práticas bem interessantes.”

    A terapia

    “A pessoa seleciona um livro que pode ajudá-la a resolver problemas de ordem pessoal. A escolha é em função do que gosta de ler: romance, poesia, contos, crônicas, textos religiosos, biografias. Essa pessoa se sente aliviada após a leitura — pode se identificar com a personagem, refletir sobre os acontecimentos de sua vida, verificar semelhanças e possibilidades de resolver seus problemas”, explica a professora Clarice. Para a pesquisadora, a ficção, com sua linguagem metafórica e universalidade, possui a capacidade de mexer com as pessoas. “Busca-se, na literatura, textos contemporâneos, que abordem o cotidiano; e textos clássicos, que apresentem metáforas dos problemas humanos.”

    Clarice defendeu, em 2001, sua dissertação de mestrado no programa de pós-graduação em Literatura da UFSC, com o título “A poética da voz e da letra na literatura infantil (leitura de alguns projetos de contar e ler para crianças)”. No ano seguinte, elaborou e executou um projeto de biblioterapia em uma escola estadual de educação básica. “Para aliar a pesquisa com o ensino e a extensão, propus a disciplina Biblioterapia em 2002, que foi oferecida aos estudantes de Biblioteconomia. A prática de extensão ocorreu na ala infantil do Hospital Universitário.”

    Diante da ampla aceitação, a disciplina é ofertada como optativa no curso de Biblioteconomia desde 2003. “Depois de apreenderem teoricamente o sentido do cuidado por meio da leitura, os alunos desenvolvem atividades biblioterapêuticas em instituições selecionadas”, explica a professora. Em 2009, Clarice defendeu sua tese de doutorado, que foi publicada em livro com o título “Biblioterapia: um cuidado com o ser”.

    As aulas práticas da disciplina já foram realizadas em hospitais, asilos, casas de repouso, creches, escolas, centros comunitários, condomínios e até na ala feminina de um presídio. Carla observa que o potencial terapêutico das histórias está disponível para quem quiser fazer uso dela, seja individualmente ou em grupo: “Todo mundo que gosta de ler guarda na memória alguma leitura que foi importante em determinado momento de sua vida.”

    Para Clarice, “a leitura tem a vantagem de poder ser armazenada e digerida posteriormente. Dessa forma, um texto pode ‘amadurecer’ na mente e no coração até a pessoa verificar a possibilidade de modificar determinados comportamentos que atrapalham sua vida diária”.

    Biblioterapia no mundo

    Registros históricos apontam que Caroline Shrodes, na década de 1940, foi a primeira pessoa a ter o título de doutorado em Biblioterapia, construindo as bases da terapia por meio de livros, como é conhecida hoje. A tese “Bibliotherapy: a theoretical and clinical-experimental study” explorou a teoria e prática da biblioterapia com jovens e adultos universitários, apresentando o uso da literatura ficcional com finalidade terapêutica. De acordo com Clarice, há registros ainda mais antigos. No Egito, Grécia e Roma antigos, a biblioteca era um espaço sagrado e os textos tinham propriedades medicinais.

    “Depois da Primeira Guerra, a leitura foi usada nos hospitais como forma de terapia para os veteranos de guerra. Durante algum tempo, os livros também eram indicados como remédio para doentes mentais. Aos poucos a biblioterapia passou a ser vista como benéfica para todos, pois a ideia de saúde mudou e hoje é entendida como um estado de equilíbrio. Quando pai, mãe ou avó liam histórias para nós antes de dormirmos, estavam realizando, sem saber, a terapia por meio de livros”, finaliza Clarice.


  • Entrevista: Antonio Carlos Wolkmer

    Publicado em 18/12/2017 às 09:18

    Com uma carreira dedicada à pesquisa e à docência, professor da UFSC defende um Direito plural, crítico e transformador

    Daniela Caniçali

    “O professor Antonio Carlos Wolkmer é um dos nomes mais representativos da teoria jurídica crítica latino-americana.” Essa é a primeira frase do capítulo sobre o pesquisador na obra El pensamiento filosófico latinoamericano, del Caribe y “latino” (1300-2000), publicada no México, em 2011. Wolkmer é docente do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) desde 1991. Aposentou-se em 2015, mas segue como professor colaborador e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Ao longo de sua trajetória na UFSC, publicou 18 livros no Brasil, três no exterior e mais de cem artigos científicos. Orientou 72 dissertações de mestrado; 19 teses de doutorado; 11 trabalhos de conclusão de curso e 20 projetos de iniciação científica – além de 69 coorientações e seis supervisões de pós-doutorado.

    Em 2010, no aniversário de 50 anos da universidade, Wolkmer recebeu do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) o prêmio Destaque Pesquisador. Como sempre se dedicou integralmente à carreira acadêmica – nunca atuou, nem teve pretensão de atuar, como advogado, juiz ou promotor –, ele se lembra desse momento com carinho: “Essa homenagem foi minha maior recompensa”. Wolkmer é hoje bolsista de produtividade nível 1A do CNPq — apenas dois outros pesquisadores no Brasil conquistaram esse nível na área de Direito.

    Trajetória

    Apesar de sua intensa produção e reconhecimento, ser pesquisador e professor universitário não estava em seus planos. Natural de São Leopoldo (RS), Wolkmer teve uma formação “tradicional, religiosa, humanista” – como ele a define. Estudou, quase sempre, em colégios católicos. Em 1973, ingressou no curso de Direito – à época se chamava Ciências Sociais e Jurídicas –, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mantida pela Associação Antônio Vieira (ASAV), de padres jesuítas.
    A escolha do curso não foi motivada pela vontade de se tornar um profissional da área. “Minha intenção era cursar Direito como um trampolim para seguir a carreira diplomática, que era meu grande sonho.” O professor explica que, à época, era fundamental ser bacharel em Direito para seguir a Diplomacia. Também era importante a proficiência em línguas estrangeiras: paralelamente aos estudos jurídicos, Wolkmer frequentava aulas de inglês e francês.

    Durante a graduação, de 1973 a 1977, Wolkmer foi monitor da disciplina Direito Público: “Diferente de hoje, o monitor era uma espécie de assistente e ministrava aulas”. Na formatura, Wolkmer foi escolhido para orador da turma, o que, segundo ele, chamou a atenção da direção da faculdade. “Ser monitor, orador e ter recebido a nota máxima no meu trabalho de conclusão contribuiu para que eu fosse convidado a dar aulas.” No início de 1978 Wolkmer ingressou como professor da Unisinos.

    Recém-graduado, ficou encarregado de ministrar disciplinas propedêuticas, de formação, que demandavam grande preparação teórica e sólida base cultural. Wolkmer assumiu a incumbência sem grandes dificuldades, uma vez que o sonho de ser diplomata o motivara a se dedicar intensamente aos estudos desde muito jovem: “Eu lia sobre muitas coisas: história, geografia, arqueologia, artes, literatura. Um diplomata deveria ter uma vasta cultura geral e ser poliglota. Como eu conquistaria isso, vindo de um meio humilde? Tinha uma vida metódica, era rato de biblioteca, lia o tempo todo, inclusive nos fins de semana.”

    Wolkmer foi professor da Unisinos durante 15 anos. Em seu segundo ano como docente, fez uma especialização em Metodologia do Ensino Superior e começou a gostar do magistério. O ensino não estava em seus planos, mas nesse momento começou a mudar. “Percebi que não era a Diplomacia, mas sim a carreira universitária que me motivava. Estava realmente empolgado pelo ensino e pela pesquisa, numa época em que, na área do Direito, a pesquisa era confundida com estudo de casos e decisões dos tribunais – as denominadas jurisprudências.”

    Seu interesse crescente pela pesquisa o estimulou a estabelecer uma nova metodologia de trabalho. “Decidi mudar o caráter da pesquisa: todo trabalho deveria envolver problema, objetivos e método. Os estudantes deveriam escolher uma temática, problematizar, utilizar metodologia e referencial analítico. Isso foi uma verdadeira revolução.” Além de seu envolvimento maior com a vida acadêmica, uma viagem à “Europa clássica”, por 45 dias, também contribuiu para que desistisse da diplomacia: “Todo o romantismo que eu tinha em relação a países que queria muito conhecer, como Itália e Grécia, foi descontruído”. Wolkmer fez então a escolha que seria definitiva: “Decidi que minha carreira seria na universidade: no magistério, na pesquisa e na extensão.”

    Em 1979, Wolkmer ingressou no mestrado em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “O primeiro mestrado em Direito do Sul do Brasil foi o da UFSC, criado em 1973. Mas na época não havia uma política de bolsas, e era difícil, para um jovem professor, dedicar-se integralmente ao mestrado.” Segundo o pesquisador, o profissional liberal era, então, muito mais valorizado: ser um bom advogado, juiz ou promotor significava ser bem sucedido. “O docente era visto como alguém que não teve êxito profissional nas áreas mais importantes.” A reputação do professor universitário aos poucos mudou, sobretudo com as novas políticas nacionais na área de Educação. Ter mestrado e doutorado passou a ser valorizado, incentivado e, posteriormente, exigido. “Houve uma mudança grande na política universitária do país. Professores pesquisadores que, antes, eram marginalizados, ganharam destaque.”

    O mestrado em Ciência Política possibilitou-lhe o diálogo com outras áreas. “Saí do mundo das leis, códigos, tribunais e tomei consciência da importância das pesquisas que traziam um retorno para a sociedade.” Wolkmer começou a pensar a pesquisa como transformadora da realidade. “Para quem sai da faculdade com aquela visão do Direito fundada na memorização de artigos, a Ciência Política foi um choque para mim. Meus colegas eram cientistas políticos, cientistas sociais, pedagogos, jornalistas. Estar em contato com novas perspectivas me permitiu realizar uma pesquisa não só comprometida com a prática social, mas com uma visão crítica e interdisciplinar da realidade.”

    Em 1989, Wolkmer ingressou na segunda turma de doutorado em Direito da UFSC – o primeiro do Sul do Brasil. Foi atraído pelo perfil do programa: “Não era formalista, tradicional, de reprodução. Era um curso crítico, interdisciplinar, que introduzia problematizações”. Enquanto cursava o doutorado, prestou concurso para professor assistente em Direito Público, na UFSC, e ficou em primeiro lugar. “Eu estava em uma instituição privada, onde não havia plano de carreira nem tradição em pesquisa. Ingressar em uma universidade federal, pública, era não só estimulante, desafiador, como significava buscar estabilidade como professor e pesquisador.”

    Pesquisa

    Em 2007, Wolkmer criou o Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias (Nepe), que se constituiu em um espaço de leituras, reflexões e produção para os três eixos de pesquisa a que o professor se dedica. O primeiro deles aborda a cultura jurídica na América Latina, pelo qual se ampliou o contato com universidades latino-americanas. “Eu me tornei professor visitante de várias universidades: Universidade de Buenos Aires (UBA); Universidade do Chile (Uchile); Universidade Nacional da Colômbia (Unal); Universidade de Antioquia (UdeA), entre outras.” Ao longo de sua trajetória na UFSC, Wolkmer vem estabelecendo um diálogo permanente para a construção crítica de uma teoria e cultura jurídica latino-americana.

    Enrique Dussel, argentino radicado no México e grande pensador da Filosofia da Libertação, é uma de suas principais referências intelectuais.

    Seu segundo eixo de estudos está voltado para a discussão da crise do Direito ocidental na modernidade, suas novas possibilidades e alternativas. “Estudo a busca de novos paradigmas. Questiono de que forma se dá a regularização, a normatividade, o controle social. Esses mecanismos são eficazes ou ineficazes? Assumem um caráter repressivo? Discuto o modelo que foi transplantado na colonização espanhola, na América Hispânica, e na colonização portuguesa, no Brasil.” O professor busca alternativas na direção da interdisciplinaridade e da descolonização. Segundo ele, o Direito que foi importado da Europa é formalista e positivista. “Seus agentes tendem a reproduzir uma prática convencional, sem um compromisso com nossa realidade periférica. É importante melhorar nosso sistema de justiça, tornando o acesso mais democrático e popularizado.” Wolkmer critica o conservadorismo, a morosidade e a burocracia de nossa cultura jurídica: “Estudo formas de tornar a justiça mais célere, mais simples e com benefício maior para toda a população”.

    A terceira direção de sua pesquisa é o pluralismo jurídico, expressão que identifica e compreende vários sistemas normativos na sociedade: “Esse foi o tema central da minha tese. A versão de legalidade oficial, monista e dominante é a do Direito produzido pelo Estado, através dos poderes Legislativo e Judiciário. Essa é a versão dominante que se estuda durante os cinco anos da graduação. Aprende-se que o Direito está expresso na lei e se efetiva nas instâncias estabelecidas pelo Estado. O pluralismo traz outra visão: o Direito como sistema normativo não existe apenas nos códigos positivos e na lei escrita, formalizada, mas está presente na sociedade de várias outras formas. Grupos sociais também produzem normatividade. Pluralismo é a descentralização, a fragmentação das formas de poder, é ver o Direito não apenas no Estado e nos códigos, mas na sociedade civil, nas lutas sociais”.

    Como professor, Wolkmer afirma que seu esforço sempre foi para formar operadores do Direito, teóricos ou práticos, comprometidos com a prática social e com a transformação da sociedade. Referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, ele se define como “um acadêmico, um professor com uma vida dedicada ao magistério e à pesquisa, que tem a missão, o objetivo fundamental de despertar a consciência e de formar uma geração de profissionais comprometida com a realidade, com o Brasil, com a América Latina. O ensino deve estar embasado em uma educação descolonial e crítica. Não me refiro a uma crítica niilista, de jogo de palavras. É uma crítica comprometida com as mudanças, no sentido de recriar e possibilitar uma tomada de consciência, uma emancipação”.


  • Nós, enigmas e mistérios: o sempre contemporâneo Salim Miguel

    Publicado em 11/12/2015 às 09:16
    Luciana Rassier*

    Nós, leitores de Salim Miguel, somos, incontestavelmente, privilegiados. O Mestre deleita-se em nos surpreender, e desta vez nos propõe uma novela policial que intriga e seduz. Um bilhete anônimo seguido de um telefonema lacônico. Um cidadão pacato oculta um assassino implacável. Um crime deixa a polícia e a mídia perplexas. Ninguém sabe. Ninguém viu. Mas, ao percorrermos as páginas, vamos encontrando indícios esparsos: seis degraus, o detalhe de uma blusa, o salto de um sapato.

    Com os gestos apurados de um artesão, Salim Miguel tece os fios de sua narrativa e faz o Acaso entremear destinos. Oriundos de diversos lugares do país, os personagens acabam em Brasília, envolvidos no crime: um milionário paraense, um rapaz catarinense, uma moça goiana, um alagoano candidato a vereador, um comissário de polícia paulista. A situação é confusa, o caso é intricado. A vítima é-e-não-é quem se pensa. Como desfazer tantos nós?

    A homenagem de Salim Miguel aos grandes mestres do gênero policial não está apenas na arquitetura da trama e nos recursos narrativos, mas também no auxílio solicitado a investigadores de primeira linha, como Sam Spade, Nero Wolfe, Philip Marlowe, Ellery Queen, o Padre Brown e o Inspetor Maigret. É a eles que recorre Auguste Dupin, parceiro do personagem-narrador para, entre cálices de bourbon e goles de cachaça, desvendar o mistério e interrogar os suspeitos.

    Na obra de mais de trinta títulos que Salim Miguel vem construindo desde sua estreia na literatura em 1951, podemos aproximar Nós de As várias faces (1994) e As confissões prematuras (1998) – novelas que, a partir do roubo de um quadro e de um sequestro, colocam em cena interrogatórios e embates de personagens. Além dessas afinidades temáticas e estruturais mais específicas, Nós traz marcas recorrentes na escrita de Salim, como a alusão a suas leituras prediletas ou ainda a figura de um narrador-personagem-Autor impotente face à página quase branca e a personagens que teimam em tomar as rédeas do próprio destino. Outras marcas são o arrojo na forma; a habilidade na fragmentação e em sua articulação; as vozes plurais que multiplicam os pontos de vista para compor um texto que transforma o leitor em co-autor.

    É essa instigante narrativa inédita que a Editora da Universidade Federal de Santa Catarina publicou em 2015, em homenagem aos 91 anos de Salim Miguel, que a dirigiu de 1983 a 1991, dotando-a de estrutura profissional, do prédio que ocupa até hoje e a tornando um dos principais agentes da criação da Associação Brasileira de Editoras Universitárias.

    Nas conferências que tenho feito no âmbito de meu pós-doutorado na França, Nós cativa o público, tanto pela bela edição da EdUFSC quanto pela agilidade e contemporaneidade da prosa de Salim Miguel. Afinal, Nós lembra que somos todos eternos migrantes, deslocando-nos entrenossas lembranças, inquietudes e desejos, tentando desvendar nossa própria  identidade e nossos próprios enigmas. Após os recentes atentados em Paris, e face a todas as questões suscitadas pela vaga migratória na Europa, essa narrativa toca ainda mais fundo, porque mostra que o convívio com o Outro pode nos ensinar a compreender nossas próprias estranhezas e incertezas. Quando comecei a tradução da narrativa para a língua francesa, me interroguei sobre como manter a pluralidade de sentidos do título: nós (eu, tu, ele, ela, nós); nós do enredo a ser contado; nós do mistério a ser desvendado. Talvez baste fazer como o mestre Salim, e escolher a palavra, curta e forte, que concentra o belo enigma da existência e do “com-viver”: Nós (Nous).


    * Luciana Rassier é Doutora em literatura pela Universidade de Montpellier, França. É docente pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução e no Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da UFSC e tradutora. Com Jean- José Mesguen traduziu para o francês, entre outros, Primeiro de Abril, narrativas da cadeia, de Salim Miguel (Editora L’Harmattan 2007)


  • A leste do Éden

    Publicado em 11/12/2015 às 09:15

    Mapa geológico e fisiográfico revela a Ilha do Campeche

    Caetano Machado

    Pedacinho de terra a leste da Ilha de Santa Catarina, município de Florianópolis, a Ilha do Campeche ganhou um perfil próprio: o Mapa geológico e fisiográfico, resultado da disciplina “Depósitos de planícies costeiras”, oferecida pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) durante o primeiro semestre de 2015.

    A Ilha do Campeche é uma das 32 que circundam a Ilha de Santa Catarina – uma das mais relevantes, devido a sua importância arqueológica, paisagística, ambiental e turística – e assemelha-se a uma “irmã menor” desta. “Geologicamente, parece muito a Ilha de Santa Catarina, inclusive na forma”, diz o professor Norberto Olmiro Horn Filho, que ministra a disciplina desde 1993 no PPGG.

    “O objetivo da disciplina é passar aos alunos aspectos básicos do que é composta a planície costeira do estado”, explica Horn, que dá opções para o estudo. Eles escolhem os setores que reúnem atrativos geológicos maiores, e, em 2015, a opção mais aceita foi a Ilha do Campeche. “Sempre que possível, pretende- se que os estudantes tenham como resultado e elemento de avaliação um produto palpável e publicável”, continua o professor.

    Na Ilha do Campeche, foram realizadas duas etapas de campo, em abril e maio, para coleta de amostras de sedimentos e rochas, percorrendo-se boa parte do local. Dados geológicos, geomorfológicos, oceanográficos, arqueológicos, socioeconômicos e de cobertura vegetal foram levantados pelo grupo para a confecção do mapa e de seu texto explicativo. “Nós descrevemos fisicamente a geografia da ilha. As informações existiam, mas não estavam reunidas num texto, e tivemos êxito em aprontar o mapa”, afirma Horn.

    Junto com Horn, assinam o mapa os mestrandos do PPGG, Aline Pires Mateus, Ana Carolina Moreira, Ingrid Matos de Araújo Góes, Irlanda da Silva Matos, Marcelo Marini; os doutorandos Edenir Bagio Perin e Francisco Arenhart da Veiga Lima e a oceanógrafa Andreoara Deschamps Schmidt.

    A divulgação no meio digital contou com apoio das Edições do Bosque, numa colaboração entre o Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) e o PPGG. Horn também ressalta a parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação ( PROPG) para a impressão de mil exemplares do mapa – que não é o primeiro fruto do gênero no PPGG: em 2013, Horn foi um dos autores do Mapa geoevolutivo da planície costeira da Ilha de Santa Catarina.

    Ao longo de mais de 20 anos da disciplina “Depósitos de planícies costeiras”, outros resultados foram compilados, mapeando- se todo o litoral de Santa Catarina, e estão prontos para apresentação ao público.

    Para 2016, estão previstas as publicações de dois atlas: um da planície costeira e outro das praias arenosas de Santa Catarina. Os trabalhos envolveram a participação de, no mínimo, 70 pessoas, entre alunos de graduação, mestrado, doutorado, pesquisadores e professores. “A cada ano, as equipes vão se revezando, e todos farão parte do atlas. É uma conquista, fi co muito satisfeito em fazer parte.”

    O atlas geológico da planície costeira de Santa Catarina em base ao estudo dos depósitos quaternários apresentará, em edição trilíngue, um compêndio com a produção técnico-científica existente sobre a planície costeira, e contará com texto explicativo, quatro séries cartográficas e 19 mapas geológicos. Além de Horn, a autoria é dividida com o geógrafo e doutorando em Geociências, Alexandre Félix.

    Já o Atlas sedimentológico e ambiental das praias arenosas de Santa Catarina será publicado pela Edições do Bosque, do CFH/UFSC, envolvendo aspectos fisiográficos, oceanográficos, texturais e ambientais das 256 praias arenosas do litoral catarinense.

    A partir dos anos 1980, ressalta Horn, iniciou-se a urbanização da planície costeira e litoral catarinense, que passou de um ambiente pouco antropizado para um ambiente bastante ocupado. “Nós precisamos conhecer melhor estes ambientes para que essa ocupação não venha a ocorrer de forma desorganizada. É necessário que tenhamos um balanço, um equilíbrio.”

    Houve, nos últimos 35 anos, o crescimento do turismo voltado para o mar, e há uma correlação entre a evolução geológica e a antropização. “A análise de fotos aéreas antigas e imagens atuais indicam claramente o que mudou na geomorfologia costeira. Não é exclusivo de Santa Catarina, ou do Brasil, mas acontece no mundo inteiro. As pessoas querem aproveitar os recursos vivos e não vivos do mar e a paisagem costeira; entretanto, têm se preocupado muito pouco com a degradação do meio ambiente”, conta Horn.


  • Saneamento ecológico

    Publicado em 11/12/2015 às 09:14

    Urina como alternativa para fertilizantes

    Tamy Dassoler e Ana Carolina Prieto

    Pesquisa realizada por Raquel Cardoso de Souza, integrante do Grupo de Estudos em Saneamento Descentralizado (Gesad) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mostrou que é possível retirar mais de 70% dos antibióticos presentes na urina. Esses compostos, quando entram em contato com o solo, podem causar resistência microbiana, ou seja, a seleção das bactérias mais resistentes, que se tornarão difíceis de serem eliminadas. Por isso, o estudo “Avaliação da remoção de amoxicilina e cefalexina da urina humana por oxidação avançada (H2O2/UV) com vistas ao saneamento ecológico” analisou a retirada dos antibióticos para que a urina fosse utilizada como fertilizante.

    O grupo começou a estudar a urina porque já vinha desenvolvendo pesquisas envolvendo o saneamento sustentável, uma prática que utiliza excretas humanas no solo. Esse tipo de saneamento se baseia no banheiro seco, que separa fezes e urina para que sejam reutilizadas, e não usa água para o transporte de excrementos. Coletar a urina e utilizá-la como fertilizante traria benefícios como a diminuição do consumo de água, redução dos gastos com energia e tratamento de esgoto, além de ser uma alternativa de fertilizante mais barata.

    A pesquisadora aplicou o método H2O2/UV, um tipo de processo oxidativo avançado (POA). A luz ultravioleta (UV) é responsável pela quebra das moléculas da água oxigenada (H2O2), formando espécies de oxigênio (EROs) que reagem com os antibióticos. Duas amostras de urina foram analisadas – uma fresca e outra armazenada – e submetidas a esse método com diferentes concentrações de H2O2 durante 60 minutos, o que serviu para a retirada dos antibióticos amoxicilina (AMX) – um tipo de penicilina – e cefalexina (CFX), utilizados no tratamento de bactérias comuns. A melhor eficiência ocorreu com a H2O2 na concentração 928 mg/l. A AMX foi removida 77,97% na urina armazenada e 45,53% na fresca; já a CFX teve índices de remoção de 75,49% e 78,46% respectivamente nos tipos de urina armazenada e fresca. As diferenças entre os dois tipos de urina decorrem do pH (potencial de hidrogênio, que mede o índice de acidez): a armazenada apresenta pH mais alto (menor acidez); por isso, em geral, tem melhor rendimento.

    O estudo também analisou o uso somente da luz UV no processo. Raquel afirma que “os resultados não são tão bons quando comparados com os primeiros. A associação de H2O2 com luz UV mostrou eficiência de remoção 10 vezes maior do que só com luz UV.” Ainda foi analisado o método H2O2/UV em soluções aquosas – o resultado teve altos índices de remoção, chegando a serem retirados até 99,51% de CFX.

    Uma equação para obter 100% de eficiência na eliminação de antibióticos foi elaborada, assim como as concentrações ideais de água oxigenada para isso. Uma eficiência melhor do que a obtida na pesquisa poderia ocorrer se fossem utilizados outros métodos, como o foto-Fenton e o TiO2, mas, em ambos os casos, seria gerado um resíduo que precisaria ser eliminado. No uso da H2O2, isso não ocorre. Outra alternativa seria usar ozônio (03) com luz UV, mas o Gesad não possuía equipamentos disponíveis para realizar esse procedimento.

    As dúvidas a respeito do reuso da urina para fertilizantes seriam a presença de medicamentos e suas consequências, e se o H2O2 removeria os nutrientes. Na pesquisa, só foram analisados a bactéria Escherichia coli, que não foi detectada depois do processo, e os antibióticos; então, de acordo com a pesquisadora, seria preciso mais estudos para verificar se a presença de medicamentos iria afetar as plantações. A respeito dos nutrientes, o estudo comprovou que eles continuam inalterados durante todo o processo.

    A pesquisa de Raquel Cardoso não foi a única a abordar o saneamento sustentável: Alexandra Demenighi, mestranda em Engenharia Civil pela UFSC, desenvolveu em 2012 um projeto para a implantação de banheiros secos. Ela diz que ainda há resistência ao uso do equipamento, porque as pessoas consideram uma “volta ao passado” utilizar um sistema sem água para transporte dos resíduos; no entanto, ressalta que é uma opção melhor do ponto de vista ecológico.


  • Pesquisa estuda própolis de abelha sem ferrão em células melanoma

    Publicado em 11/12/2015 às 09:14
    Alita Diana e Gabriel Volinger

    Pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos em Interações entre Micro e Macromoléculas (GEIMM), do Departamento de Farmácia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), investiga a utilização de extratos de própolis de abelhas sem ferrão em modelo in vitro de melanoma – tipo mais grave de câncer de pele. A proposta foi da doutoranda Júlia Cisilotto, orientada pela professora Tânia Beatriz Creczynski-Pasa. O projeto, em andamento desde o início de 2013, já apresenta resultados positivos.

    O câncer de pele é o mais frequente no Brasil e corresponde a 25% de todos os tumores malignos detectados. Entre eles, o melanoma é o mais grave, devido ao risco de metástase – disseminação do câncer para outros órgãos. A maioria dos casos brasileiros encontra-se na região Sul. O melanoma maligno corresponde a 4% do total de incidência de câncer de pele. Uma das linhas de pesquisa do grupo, coordenado por Creczynsky-Pasa, emprega modelos in vitro e in vivo para estudo de diferentes tipos de câncer, testando produtos naturais, semissintéticos e sintéticos, com atividade antitumoral.

    Própolis é produto de resinas colhidas por abelhas nas cascas das árvores ou brotos. Esta resina é processada, e os insetos a utilizam para proteção, vedação e desinfecção da colmeia. Os antigos egípcios já usavam própolis como um cicatrizante natural, cujas propriedades são alvo de pesquisa atual. Cada espécie de abelha o produz com características diferentes, em termos de composição química, aspecto e propriedades medicinais. As abelhas Tubuna e Mandaçaia são encontradas na América Latina; no entanto, as propriedades do própolis produzido por ambas as espécies ainda foram pouco estudadas.

    As pesquisas de Cisilotto se voltaram aos produtos dessas abelhas e encontraram resultados efetivos in vitro contra células de melanoma humano. De acordo com a doutoranda, os resultados foram satisfatórios. “A análise da concentração, comparada com a de outros artigos envolvendo outros tipos de própolis, mostrou melhores resultados. Precisou-se de uma quantidade mais baixa de extrato para atingir o efeito citotóxico [responsável pela morte da célula cancerígena]”, afirma.

    Desenvolvimento da pesquisa

    O própolis estudado foi coletado pelo melipolinicultor Pedro Faria Gonçalves, no sítio Flor de Ouro, localizado na região centronorte de Florianópolis.

    A equipe responsável pela pesquisa conta com a participação da bolsista de iniciação científica, Débora Joppi, e com a pós-doutoranda Heloisa Fernandes, que colaboram nos estudos in vitro. Enquanto isso, Júlia Cisilotto, que propôs a pesquisa, analisa as propriedades químicas do própolis, com a colaboração da professora Maique Weber Biavatti, especialista em Farmacognosia – ramo que estuda princípios ativos de produtos naturais. O trabalho é complexo, uma vez que o própolis varia de acordo com o inseto, o clima e o local da coleta.

    No momento, o grupo está desvendando os mecanismos de ação dos extratos – como eles estão induzindo a morte de células de melanoma. Os extratos foram testados em uma linhagem celular não tumoral, e foi possível observar uma maior seletividade para a linhagem maligna. O efeito dos extratos também foi testado junto com o medicamento vemurafenibe (utilizado para tratamento de pacientes com melanoma), e o efeito da combinação foi melhor que quando o fármaco foi testado isoladamente. Além disso, com o extrato da abelha Mandaçaia foi possível observar um acúmulo de células na fase G2/M, o que pode estar proporcionando um retardo na progressão do ciclo celular, diminuindo a proliferação das células.

    A pesquisa está ainda em andamento, e já foi observado que o extrato de própolis da abelha Mandaçaia apresenta resultados mais efetivos, mas ainda não se sabem os componentes que possibilitam o efeito. “Há ainda a possibilidade de sinergismo, ou seja, pode ser que haja um conjunto de componentes que o faça funcionar”, explica a pesquisadora Tânia Beatriz Creczynski-Pasa.


  • A arte e o ofício de traduzir Shakespeare

    Publicado em 11/12/2015 às 09:13
    Daniela Caniçali

    Era 1990, um grupo de cerca de dez pesquisadores se reúne em torno de um interesse em comum: o dramaturgo inglês William Shakespeare. Em 1991, nasce, em Belo Horizonte (MG), o Centro de Estudos Shakespeareanos (CESh). Entre aqueles que participaram da fundação da entidade, estava José Roberto O’Shea, que acabava de se tornar professor do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). No CESh, O’Shea foi designado para iniciar os projetos de tradução. “O grupo entendeu que eram necessárias novas traduções. Como os padrões de fala se modificam, mesmo o teatro supostamente clássico, que é o caso de Shakespeare, tende a ficar datado”, explica. Segundo o pesquisador, as traduções que circulavam até o final da década de 1980 estavam desatualizadas em termos de léxico, estruturas frasais e referências culturais. Estavam, portanto, distantes do público leitor e espectador.

    Antônio e Cleópatra foi a primeira das oito obras do dramaturgo inglês que O’Shea traduziu desde então. “Decidimos começar pelas menos encenadas e menos conhecidas, mas que são também peças extraordinárias.” Seu trabalho se realiza no âmbito do projeto de pesquisa “Traduções anotadas da dramaturgia shakespeariana”, que tem apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e está em atividade ininterrupta há 23 anos. O’Shea é o único tradutor de Shakespeare no Brasil cuja atividade está vinculada a programas de pós-graduação stricto sensu. O professor também traduziu, além das obras de Shakespeare, obras sobre Shakespeare. De Harold Bloom, reconhecido crítico literário de língua inglesa, traduziu, entre outros títulos, Shakespeare: a invenção do humano, com cerca de 900 páginas.

    O’Shea afirma evitar qualquer relação de reverência ou mitificação. “Tento não entrar nessa, senão fico paralisado. Mas, sem sombra de dúvida, como outros grandes autores, Shakespeare tem percepções gravíssimas sobre a natureza humana.” O professor explica que uma das preocupações básicas do autor é explicitar que a viagem do crescimento do ser humano parte de uma situação de relativa cegueira, autoengano, ignorância com relação a si mesmo e à realidade que o cerca, e segue na direção do autoconhecimento, da percepção de sua relativa importância. “Essa é uma sacação muito grande.” Outros temas recorrentes são o amor romântico – “quase sempre morre o amor ou morrem os amantes” – e a política, a exposição do mau governante – “aquele que só visa ao seu bem próprio e ao de alguns que o cercam”.

    O tradutor

    A formação do tradutor demanda muita leitura e escrita. “Ler e escrever são atividades indissociáveis. É preciso ter bastante conhecimento da língua de partida e imensurável conhecimento da língua de chegada. Aí o céu é o limite.” O’Shea reforça seus argumentos citando o poeta chileno Nicanor Parra: “Para traducir Shakespeare/ y comer pescado/ cuidado: poco se gana con saber inglés”. Conhecer a língua e a cultura de chegada, portanto, é o que permite ao tradutor escrever com fluidez, fazendo o texto “funcionar” em seu contexto.

    O professor lembra que “um tradutor é um escritor”, apesar de nem sempre ser assim reconhecido. “Nos últimos 30 anos, o tradutor está se tornando mais conhecido, mais visível, mais respeitado. Mas ainda há um caminho longo a ser trilhado.” O’Shea faz referência às críticas literárias: “Às vezes o crítico diz: ‘O autor tem um belo estilo’. Mas o autor não escreveu uma daquelas palavras sequer. Nenhuma! Todas as palavras que o crítico leu foram escritas pelo tradutor. Ele elogia o estilo, a fluência, a linguagem, e nem menciona o tradutor, como se aquela obra tivesse sido escrita em língua portuguesa. Essa é a famosa invisibilidade do tradutor.”

    Trajetória acadêmica

    Como estudante, O’Shea nunca frequentou uma universidade brasileira: cursou a graduação, o mestrado e o doutorado em diferentes instituições dos Estados Unidos (EUA). Seus quatro pósdoutorados também foram no exterior: três deles na Inglaterra e um nos EUA. Shakespeare foi o eixo central da pesquisa que desenvolveu na UFSC, de 1990 a 2015. Nesse período, orientou 46 trabalhos, entre estágios de pós-doutorado, teses de doutorado, dissertações de mestrado, monografias e trabalhos de conclusão de curso (TCC) – a maioria abordou diversos aspectos da obra de Shakespeare. O’Shea se aposentou em março de 2015, mas segue como professor colaborador dos programas de pós-graduação em Inglês (PPGI) e em Estudos da Tradução (PPGET). Orienta, atualmente, dois estudantes de mestrado, cinco de doutorado e um de pós-doutorado. “Os 25 anos que passei na UFSC não gostaria de ter passado em nenhuma outra universidade do mundo. Fiz quatro pós-docs, dei aula como convidado em universidades no Brasil e no exterior, sempre tive apoio para fazer pesquisa, apresentar trabalhos em eventos nacionais e internacionais. Não substituiria minha experiência aqui por nenhuma outra.”

    A tradução

    Shakespeare é frequentemente traduzido em prosa. A tradução em versos metrificados é um dos diferenciais do trabalho de O’Shea. Somam-se a isso a linguagem atualizada e a inclusão de anotações, comentários, paratexto e bibliografia selecionada. Em todas as obras que publicou, há um ensaio introdutório e notas explicativas cobrindo questões de texto, contexto e encenação. Em Antônio e Cleópatra, por exemplo, há 365 notas. Por isso, o resultado final vai além da tradução em si: “Eu gosto de pensar que minhas traduções, volume a volume, são edições críticas daquele texto”.

    Seu método de trabalho se inicia com a escolha do texto base. “Para Antônio e Cleópatra, analisei cinco edições integrais da peça, todas anotadas e publicadas nos últimos 50 anos: Oxford; Cambridge; Riverside; Penguin; Arden. São excelentes edições. Mas escolhi a Arden, porque, a meu ver, é a que está mais bem resolvida textualmente.” Segundo o professor, não é comum os tradutores terem o cuidado de confrontar a edição que escolheram com outras cinco ou seis, verso a verso, como ele faz. “Com todo o respeito, muitas traduções carecem de pesquisa. O tradutor elege uma boa edição moderna e se atém às anotações e às soluções textuais dessa única edição.”

    Uma das principais diferenças entre a tradução em verso e em prosa é a questão do espaço. “Na prosa, se precisar de dez palavras para descrever um objeto, posso dispor de dez palavras. Na poesia metrificada, não. Trabalho com decassílabos, e, muitas vezes, minha melhor opção semântica tem quatro ou cinco sílabas, mas não posso usá-la. Tenho que me contentar com minha segunda, terceira melhor opção semântica, pois não tenho espaço para escrever, por exemplo, em-be-ve-ci-men-to.” O’Shea explica que pode haver perdas semânticas, mas há ganhos estéticos. “Não posso ser prolixo, não tenho espaço para explicar o texto, tenho que ser parcimonioso. Afinal, trata-se de poesia, e poesia é sugestiva, é elíptica, ela nos permite imaginar.”

    Outro desafio na tradução em verso é a rima. “As rimas visuais, graficamente óbvias, são mais fáceis de traduzir. Mas há rimas que não repetem padrões gráficos. Você não vê, você ouve. É preciso esquecer um pouco a questão gráfica e ir para o som, com flexibilidade, pois muitas vezes há várias possibilidades de pronúncia. Home e come, por exemplo, podem rimar, depende da pronúncia do poeta. Eu trabalho com dicionários de rimas, não tenho escrúpulos em dizer isso.” O professor afirma “não ter escrúpulos”, pois há certo preconceito entre tradutores quanto ao seu uso. Ele conta o que lhe ocorreu em um congresso em Liverpool: “Eu falava sobre minhas traduções, sobre poesia rimada, quando um colega de Oxford perguntou como eu trabalhava. Eu disse: ‘Trabalho com um dicionário de rimas. Aliás, com mais de um’. Ele riu, como quem diz, ‘cadê o ouvido de poeta?’ Mas, em um dos meus dicionários, há na capa a citação: ‘(…) a salvação da lavoura poética’, Carlos Drummond de Andrade. “Se Drummond diz isso, acho que estou liberado”, argumenta com humor.

    O professor também aponta a importância de identificar as palavras que sofreram inversão semântica. “Os vocábulos que a gente não conhece não são um problema. Existe pelo menos uma dúzia de dicionários que cobrem todo o léxico shakespeariano. O problema são as palavras que parecem corriqueiras, que ainda são utilizadas, mas que sofreram inversão semântica: hoje significam o oposto do que significavam na primeira década do século XVII. São inúmeras dessas palavras! Essas é que são perigosas, podem ser armadilhas para o tradutor. Merely, que hoje é ‘meramente’, antes era ‘totalmente’. Fellow, que significa ‘camarada’, na época significava ‘marginal’, ‘criminoso’. Rival, que hoje significa ‘rival’, na época significava ‘parceiro’. Identificar isso é um desafio, você tem que pesquisar muito.” O’Shea acrescenta que também é importante ter o máximo de empatia possível com cada personagem. “Você não pode tomar partido, tem que tentar fazer o melhor possível a partir do personagem que está falando naquele momento. É o que alguns autores chamam de ‘defender o personagem’. O tradutor também deve defender o personagem.”

     

    Tradução

    Editora

    Ano

    Antônio e Cleópatra Mandarim/Siciliano 1997
    Cimbeline, rei da Britânia Iluminuras 2002
    O conto do inverno Iluminuras 2007
    Péricles, príncipe de Tiro Iluminuras 2012
    O primeiro Hamlet: In-Quarto de 1603 Hedra 2013
    Os dois primos nobres Iluminuras 2016
    Tróilo e Créssida Editora 34 2016
    Timon de Atenas (em progresso)

  • Missão espacial

    Publicado em 11/12/2015 às 09:12

    Equipe da UFSC desenvolve satélite que será lançado em 2016

    Daniela Caniçali

    Um cubo com 10 cm de aresta, pesando aproximadamente um quilo, constituído de computador de bordo, painéis solares, bateria e carga útil (dispositivos que exercem funções preestabelecidas, como fotografar, medir a temperatura etc.). Essas são as características do nanossatélite do tipo cubesat que está sendo desenvolvido desde 2012 no projeto Floripa Sat, uma iniciativa de pesquisadores e alunos de diferentes cursos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A previsão de lançamento é dezembro de 2016.

    O Floripa Sat surgiu de forma independente, inspirado em outros projetos experimentais do Centro Tecnológico (CTC) — como o BAJA SAE, do curso de Engenharia Mecânica, que se destina a produzir protótipos de veículos automotivos off-road. “Existe aqui na UFSC o BAJA; o barco elétrico; o carro elétrico. São vários projetos. Pensamos então em propor o desenvolvimento de um satélite para que os alunos se interessassem e se motivassem também pela área aeroespacial”, explica o professor Eduardo Bezerra, do Departamento de Engenharia Elétrica e um dos coordenadores do projeto. Outro coordenador, professor Kleber Vieira de Paiva, do curso de Engenharia Aeroespacial (Campus Joinville), reforça que o principal objetivo do projeto é educativo: “O aluno tem a oportunidade de participar de uma missão espacial completa”. Ao mesmo tempo em que passou a contribuir para a formação dos estudantes, o Floripa Sat também deu visibilidade à área aeroespacial, ainda recente nas universidades brasileiras. O curso da UFSC foi criado em 2009 e é uma das únicas seis graduações em Engenharia Aeroespacial em todo o país.

    Até chegar a sua “versão final” e ser lançado, o satélite passa pelas seguintes etapas: análise de requisitos; projeto; desenvolvimento; integração e testes. Na etapa de levantamento de requisitos, são definidas desde as faixas de temperatura que o satélite deve aguentar, a velocidade de comunicação com a Terra, até as funções que irá executar. Na etapa de projeto, são desenvolvidas as placas — com microprocessadores que mantêm o satélite em funcionamento —, um dos diferenciais do Floripa Sat.

    Enquanto outras universidades utilizam placas prontas, na UFSC elas estão sendo desenvolvidas pelos próprios alunos. “Nós adquirimos uma placa da empresa que fabrica um dos melhores modelos de cubesat. Mas essa placa vai servir apenas como modelo de referência. Nosso interesse é o desenvolvimento científico: poder estudar os circuitos e, talvez, até desenvolver placas mais eficientes”, explica Eduardo.

    Na etapa de integração, os diversos subsistemas do cubesat são colocados para funcionar em conjunto, passando-se então à fase de testes, quando o satélite como um todo é submetido a um ambiente de voo. Após ser aprovado nos testes, chega então o momento mais esperado: a integração ao veículo lançador, e o lançamento do satélite. “A sensação de colocar um satélite em órbita é de muita satisfação, de dever cumprido. É algo que deve ser planejado com cuidado, pois, se qualquer coisa der errado, o objetivo final, que é estabelecer a comunicação do satélite com a Terra, pode não ser atingido”, explica Kleber. O doutorando Leonardo Slongo, pesquisador do projeto, também descreve essa etapa como a que gera mais expectativa. “São realizados vários testes, mas, ainda assim, existe muita apreensão, sobretudo nos primeiros minutos do lançamento.” Kleber acrescenta: “Você não tem uma segunda chance”.

    Se a missão for bem-sucedida, chega a fase de monitorar as atividades do satélite, coletar dados e, com essas informações, divulgar os resultados do trabalho por intermédio de publicações e patentes. “O trabalho não acaba no lançamento, ele continua. Enquanto estiver em órbita, os alunos vão estar envolvidos na comunicação com o satélite”, explica Kleber. O Floripa Sat será transportado como carga de um satélite de maior porte, o Unisat- 7 (da empresa G.A.U.S.S.), que, por sua vez, será acoplado ao foguete Dnepr, com data de lançamento prevista para dezembro de 2016, na Rússia. A integração final será realizada na Itália, com o acompanhamento de dois membros da equipe da UFSC, prioritariamente estudantes.

     

    Cubesat

    O cubesat — abreviação das palavras em inglês “cube” (cubo) e “sat” (satélite) — caracteriza-se por sua estrutura simplificada e custo reduzido: enquanto para o seu lançamento são gastos aproximadamente 100 mil dólares, para o de um satélite convencional os custos chegam a 250 milhões. Os satélites de pequeno porte, conhecidos como nanossatélites, também se distinguem pelo alto valor agregado. “Os componentes que precisamos adquirir para desenvolver uma placa custam cerca de 100 dólares. Quando fi ca pronta, ela pode ser vendida por 15 mil dólares”, afirma o professor Eduardo.

    O padrão cubesat foi desenvolvido em 1999, no contexto da tendência dos nanossatélites, com o intuito de fomentar a pesquisa universitária na área de Engenharia Aeroespacial. Seus idealizadores, Jordi Puig-Suari e Bob Twiggs, professores das universidades norte-americanas California Polytechnic State University e Stanford University, tinham o propósito de proporcionar aos estudantes de graduação e pós-graduação a possibilidade de projetar, construir, testar e operar um satélite semelhante ao Sputnik. Os dois pesquisadores estarão em Florianópolis, no primeiro semestre de 2016, para o evento “II Latin America IAA CubeSat Workshop”, organizado pela equipe do projeto Floripa Sat.

     

    Projeto Serpens

    Outro projeto que tem a participação da UFSC, em parceria com outras universidades, é o Sistema Espacial para a Realização de Pesquisas e Experimentos com Nanossatélites (Serpens). Coordenado pela Agência Espacial Brasileira (AEB) como uma atividade do programa Uniespaço, o Serpens foi criado em dezembro de 2013, com o objetivo de qualificar a pesquisa acadêmica na área. Ao longo dos anos, estudantes dos cursos de Engenharia Aeroespacial do país terão a oportunidade de aplicar a teoria na prática, participando do desenvolvimento e lançamento de cubesats. O primeiro, o Serpens I, foi lançado em agosto de 2015, rumo à Estação Espacial Internacional (ISS), e colocado em órbita no dia 17 de setembro. Além da UFSC, quatro instituições brasileiras participam do projeto Serpens: Universidade de Brasília (UnB); Universidade Federal do ABC (UFABC); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Instituto Federal Fluminense (IFF). Em cada missão, uma equipe fi ca responsável por liderar o projeto: o Serpens I foi liderado pela UnB; o Serpens II — que já está em desenvolvimento, com previsão de lançamento para dezembro de 2017 — está sendo coordenado pela equipe da UFSC.

    Equipe

    Atualmente, integram o Floripa Sat dez professores e trinta alunos da graduação e pós-graduação em Engenharia Aeroespacial, Engenharia Elétrica, Engenharia Eletrônica, Engenharia Mecânica, Ciência da Computação e Engenharia de Controle e Automação. Além do projeto Floripa Sat e do Serpens, membros da equipe já participaram de outras missões aeroespaciais. Em 2006, quando ainda era estudante de mestrado da UFSC, o professor Kleber teve participação na missão do astronauta brasileiro Marcos Pontes, como responsável por um dos experimentos utilizado pelo astronauta no ambiente de microgravidade da Estação Espacial Internacional. O doutorando Leonardo Slongo participou, junto com Kleber, de projetos do Programa Microgravidade da AEB e acompanhou, no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, o lançamento de foguetes que executaram diferentes experimentos. O professor Eduardo Bezerra atua há mais de dez anos no projeto e desenvolvimento de sistemas computacionais embarcados para os satélites de grande porte do Programa Espacial Brasileiro.


  • Ciência sem complicação

    Publicado em 11/12/2015 às 09:11
    Jamil Assreuy*

    Como mostrar o que é pesquisa, a ciência, como ela é feita, quais benefícios ela traz para as pessoas? Parece fácil, mas não é. Explicar temas às vezes complicados em linguagem, de forma que as pessoas entendam – sem cair no sensacionalismo barato de tabloides e programas pseudocientíficos –, é muito mais difícil do que parece.

    As pessoas se interessam por ciência? A resposta é um grande sim! Resultado de uma pesquisa, feita em 2015, sobre a percepção pública de ciência e tecnologia no Brasil (http://percepcaocti. cgee.org.br/) mostrou alguns resultados surpreendentes. Por exemplo, as pessoas acham que ciência é uma atividade muito importante e essencial para ajudar a resolver problemas do país e do mundo. Três quartos dos entrevistados acreditam que a ciência traz mais benefícios que malefícios, e mais da metade acredita que cientistas fazem coisas úteis à humanidade; entretanto, 90% dos entrevistados não conseguem se lembrar de uma instituição científica ou nome de um cientista brasileiro famoso.

    O que falta então? Maior oferta de informação científica de qualidade. Embora uma parcela significativa das pessoas acredite que a internet, televisão e jornais divulgam, de forma satisfatória, descobertas científicas, o problema é a quantidade dessas informações que alcança esses meios. E, infelizmente, não podemos ignorar que muitas destas informações, principalmente as veiculadas na internet, têm qualidade no mínimo duvidosa.

    E quem melhor qualificado para transmitir estas informações que os próprios pesquisadores? Aí temos outro problema. A maioria dos pesquisadores não tem treinamento para transmitir a mensagem em linguagem que as pessoas entendam. Isso nos leva imediatamente à necessidade imperiosa de junção de esforços entre pessoas que sabem transmitir a informação (jornalistas, por exemplo) e aquelas que têm as informações (pesquisadores e cientistas).

    Aí entra o jornalismo científico e a divulgação científica. Infelizmente, nosso país não está entre os que fazem boa divulgação científica – e não é por falta de boa ciência. Temos centenas de exemplos de grupos de pesquisa em universidades, laboratórios oficiais e empresas que estão trabalhando na fronteira do conhecimento, em pesquisas de classe mundial. Porque isso acontece? A resposta é difícil e pode ter inúmeras variáveis. Poucos são os veículos de divulgação científica permanentes no Brasil. E poucos são os jornalistas especializados em divulgação científica. Em alguns países há jornalistas e setores de divulgação de instituições e universidades especializados em levar para o público o que acontece em pesquisa nos seus laboratórios. Além de elevar a compreensão do público em geral sobre os avanços da ciência, essa é uma forma importante de prestação de contas do dinheiro aplicado em ciência e pesquisa.

    Tamanha é a importância atribuída à divulgação científica que o currículo Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) agora tem uma aba específica para que sejam cadastradas as atividades de divulgação científica.

    Nesse sentido a UFSC deu uma modesta, mas significativa, contribuição. A Propesq manteve nos últimos dois anos uma equipe de jovens estudantes de jornalismo, orientados por profissionais que produziram uma série de matérias sobre a pesquisa que se faz na UFSC – algumas inclusive tendo sido veiculadas pela grande imprensa –, o que possibilitou levar o conhecimento produzido na Universidade para um número ainda maior de pessoas.

    Este é um bom começo para uma atividade que deve ter caráter permanente. A oferta de material de divulgação de boa qualidade aumentará a percepção do público sobre a relevância e importância da pesquisa científica. É minha convicção que esta iniciativa deve continuar e ser expandida para tornar-se o Programa de Divulgação Científica da UFSC.


    * Jamil Assreuy é Doutor em Ciências Biológicas (Biofísica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fez o pós-doutorado no Wellcome Research Labs, UK . Atualmente é Professor Associado do Departamento de Farmacologia e Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina.