Fortalezas da Ilha de Santa Catarina

19/12/2019 16:43

Sistema de defesa da Coroa Portuguesa completa 40 anos sob gestão da UFSC

Maykon Oliveira

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) completou, em 21 de novembro de 2019, quatro décadas à frente da gestão das fortalezas da Ilha de Santa Catarina. Construídas pela Coroa Portuguesa a partir de 1739, com a função de guarnecer a entrada da Barra Norte da Ilha, as fortalezas de Santa Cruz de Anhatomirim, Santo Antônio de Ratones e São José da Ponta Grossa foram projetadas por José da Silva Paes, brigadeiro, engenheiro militar e primeiro governador da capitania de Santa Catarina. As obras deram início ao sistema defensivo da Ilha, que posteriormente foi ampliado com outras dezenas de fortificações, como fortes, baterias e trincheiras.

Para o arquiteto Roberto Tonera, que trabalha com os monumentos há cerca de 30 anos, a criação das fortalezas está diretamente relacionada ao nascimento do estado de Santa Catarina, do ponto de vista político-administrativo. “Silva Paes foi o autor, projetista e idealizador desse sistema defensivo. O que é que ele pretendia com essas fortalezas? Primeiro, garantir a posse do território da Ilha de Santa Catarina para os portugueses, defendendo-a contra qualquer nação inimiga, em especial, a Espanha – que era, naquele momento, no século XVIII, o mais próximo em disputa por toda essa parte do continente da América do Sul”, relatou Tonera.

“A posse dependia então de um sistema de fortificações que garantisse o território e o apoio logístico entre o Rio de Janeiro, onde Portugal tinha o seu vice-reinado, e o Sul. Quatro fortalezas foram construídas inicialmente, entre 1739 e 1744”, completou Tonera, incluindo também a edificação da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, na Barra Sul.

Santa Catarina chegou a somar cerca de 40 fortificações até o início do século XIX. Porém, ainda na primeira metade daquele século, a maioria das construções já havia desaparecido, por arruinamento, abandono ou demolição. Mesmo o tombamento como patrimônio histórico brasileiro, em 1938, pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) – atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – não foi suficiente para assegurar a preservação ou a recuperação dessas construções. As fortificações que permaneceram ativas encontravam-se em péssimo estado de conservação; o sistema defensivo amargava dias de descaso, de modo que algumas das construções estavam desmoronando e totalmente cobertas
pela vegetação. 

Na década de 1970, o Iphan começou as obras de restauro na Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim e, ao fim da década, a UFSC assumiu a tutela do monumento por meio de um convênio assinado entre a Universidade, o Iphan e a Marinha do Brasil. “Em 1979, tivemos uma decisão que considero muito corajosa e histórica por parte do reitor Caspar Erich Stemmer. Apesar de todas as dificuldades financeiras e logísticas para assumir um patrimônio dessa magnitude, a Universidade decidiu adotar a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim (…) Eu não conheço outra universidade – nem no Brasil, nem fora – que seja gestora de um patrimônio dessa dimensão”, ressaltou Tonera. A fortaleza foi aberta à visitação pública em 1984. Sete anos mais tarde, as fortalezas de Santo Antônio de Ratones e São José da Ponta Grossa passaram à guarda da UFSC, tendo sido abertas ao público em 1992.

Candidatura a Patrimônio Mundial

As edificações de Anhatomirim, hoje em área de jurisdição do município de Governador Celso Ramos, e de Ratones, pertencente a Florianópolis, atualmente integram o Conjunto de Fortificações do Brasil, candidato a Patrimônio Mundial. Composto por 19 fortificações situadas em dez estados brasileiros, o conjunto está entre os bens que integram a Lista Indicativa brasileira a Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O grupo representa as construções defensivas implantadas no território nacional, nos pontos que serviram para definir as fronteiras marítimas e fluviais que resultaram neste que é o maior país da América Latina. A proteção, a conservação e a gestão das fortificações serão pilares a serem considerados no processo de avaliação da candidatura. 

Além da UFSC, compõem o comitê de candidatura: o Iphan, a Marinha do Brasil, a Secretaria do Patrimônio da União, o Governo do Estado de Santa Catarina, os municípios de Florianópolis e de Governador Celso Ramos, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Associação Catarinense de Conservadores e Restauradores, a Convention Bureau e a Associação Náutica Brasileira (Acatmar). “Todos os entes se propõem a trabalhar conjuntamente para valorizar, prestigiar, difundir e, efetivamente, utilizar as fortalezas e todo o seu potencial; seja na área turística, cultural ou educacional. A sociedade precisa se apropriar dessas fortalezas. Assim, a Unesco vai entender que estamos dispostos a zelar por esse patrimônio”, frisou Tonera. 

“Embora este seja um patrimônio secular, nosso trabalho está sendo feito no sentido de pensar no seu futuro, de qualificá-lo e mantê-lo como patrimônio”, disse Salvador Gomes, dirigente da Coordenadoria das Fortalezas da Ilha de Santa Catarina. Desde 2016, o órgão administrativo da Universidade, vinculado à Secretaria de Cultura e Artes (SeCArte), é responsável pelo gerenciamento, guarda, manutenção e conservação das fortalezas.

Cerca de 200 mil visitantes por ano

Os canhões, as guaritas, a casa de pólvora e tantos outros elementos que compõem as fortalezas atraem milhares de turistas brasileiros e estrangeiros todos os anos. Em 2018, a Universidade registrou 196 mil visitantes nas três unidades sob sua responsabilidade. Para Salvador, o trabalho da instituição é essencial, pois possibilita ao público aprender mais sobre um período tão importante da história de Santa Catarina. “São quase 200 mil visitantes que, graças a esse esforço, estão tendo acesso à nossa história. As fortalezas, além de terem sido essenciais para a ocupação do território, fizeram parte de uma estratégia que trouxe os açorianos para cá”, destacou Salvador.

Desde 2018, a Fortaleza de São José da Ponta Grossa passou a contar com o serviço de guia de turismo.
A iniciativa é desenvolvida por meio do projeto de extensão “Turismo receptivo na Fortaleza de São José da Ponta Grossa”, que oportuniza aos estudantes do curso técnico de Guia de Turismo, do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), colocarem em prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula. Bolsistas e voluntários acompanham grupos de visitantes interessados em serem guiados para contar, com detalhes, informações acerca da fortaleza. Além de melhorar o atendimento e a experiência dos turistas, o serviço torna o passeio mais completo, uma vez que permite conhecer personagens e curiosidades do local.

A parceria com o curso do IFSC ocorre todos os domingos, inclusive nos dias de visita gratuita ao local (sempre nos primeiros domingos de cada mês). A visitação gratuita também é realizada nas outras duas fortalezas nos mesmos moldes; porém, sem os guias de turismo.  Localizada na Praia do Forte, a Fortaleza de São José é a única fortificação que pode ser acessada por via terrestre. Já a Fortaleza de Santa Cruz e a Fortaleza de Santo Antônio ficam localizadas, respectivamente, nas ilhas de Anhatomirim e Ratones Grande, na Baía Norte da Ilha de Santa Catarina. A UFSC não oferece traslado às ilhas, mas disponibiliza em seu site as empresas que fazem o transporte náutico na região.

Atualmente, os monumentos podem ser visitados todos os dias da semana das 9h às 17h, com exceção da Fortaleza de São José da Ponta Grossa, que fecha entre 12h e 13h. Os ingressos custam R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia-entrada), e a renda obtida com a taxa de visitação é utilizada na manutenção do local.
“A UFSC dá subsídios em outras questões, como veículos e combustível, mas nós ainda precisamos de um aporte maior. Planejamos buscar outras fontes, como doações, e também auxílio indireto de instituições que possam contribuir para essa manutenção de alguma forma”, explica Salvador Gomes.

Local de pesquisa pouco explorado

Além da comemoração pelos 40 anos da Universidade à frente da administração das fortificações, 2019 marca também o aniversário de início das obras do sistema defensivo na Ilha, que completa 280 anos. Em virtude da celebração das datas, oficializou-se a cessão permanente da Fortaleza de São José da Ponta Grossa.

O ato de transferência de uso da área de mais de 17 mil m2 ocorreu no dia 15 de abril de 2019, na sede da Superintendência do Patrimônio da União (SPU-SC) e contou com a presença do reitor Ubaldo Cesar Balthazar. “É um ato histórico. Isso é o começo de um processo que vai nos permitir, a médio prazo, ter também o controle direto das ilhas de Anhatomirim e Ratones (hoje conveniadas com a Marinha), de modo que elas fiquem sob administração definitiva da UFSC. Para nós, isso é importante na medida em que podemos implementar vários projetos, tanto turísticos quanto científicos, e continuar o trabalho de manutenção das fortalezas, pelo seu interesse histórico”, afirmou o reitor na ocasião da assinatura do termo de cessão. 

As áreas das fortalezas já serviram de campo para alguns projetos de extensão desenvolvidos pela UFSC, nas áreas de pesquisa arqueológica, arquitetura, engenharia civil e aquicultura. Entretanto, segundo relata Tonera, este potencial ainda é pouco explorado. “As fortalezas deveriam ser entendidas como uma espécie de ‘campus avançado’ da Universidade. Elas estão entre as construções mais antigas de Santa Catarina, foram palco e testemunho de importantes momentos de nossa história, são o repositório de técnicas construtivas tradicionais centenárias, representativas da história da arquitetura brasileira. São sítios arqueológicos e patrimônio histórico nacional de grande valor cultural, educacional e turístico, além de estarem localizadas em áreas de grande riqueza ambiental e paisagística, compondo espaços cenográficos pouco comuns em nosso estado”, salientou.

Ainda de acordo com Tonera, diversas áreas de conhecimento da Universidade poderiam usufruir desta potencialidade, em especial, os cursos de Arquitetura, História, Artes Cênicas, Cinema, Antropologia/Arqueologia, Botânica, Biologia, Engenharia Civil, Letras, Design, entre outros. Para ele, a UFSC deve instituir uma política continuada de integração das fortalezas com a área acadêmica, por meio de trabalho interno de conscientização da comunidade universitária. “De forma mais estrutural, seria importante a inclusão efetiva do estudo das fortalezas na ementa das disciplinas de diferentes cursos. Outra ação de incentivo seria a criação de uma linha de bolsas de incentivo específica, direcionada ao desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão nas fortalezas. Também seria necessário implementar uma política de acesso facilitado às estruturas, tanto terrestre quanto marítima”, afirmou o arquiteto.

Projetos nas Fortalezas

Atualmente, dois projetos executados no local merecem destaque. Um deles é a iniciativa de educação patrimonial “Aprender sobre história também é coisa de criança”, concebido e mantido pela Coordenadoria das Fortalezas desde 2017.

Voltado a estudantes da educação infantil e do ensino fundamental, o projeto visa aproximá-los de aprendizados relacionados à história dos monumentos e sua vinculação com Florianópolis, com o intuito de sensibilizá-los quanto à valorização e preservação do Patrimônio Histórico Nacional.

Outra linha de ação é capitaneada pelo Laboratório de Fotovoltaica, do Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da UFSC, que implantou na Fortaleza de Santo Antônio um sistema de geração de energia utilizando painéis fotovoltaicos que convertem a radiação solar em energia elétrica. A ilha de Ratones Grande, onde está edificada a fortaleza, é uma reserva de mata nativa. Para preservar este ecossistema, a Universidade passou – após dez anos de uso de geradores a óleo diesel – a ter energia elétrica totalmente limpa e renovável, empregada em serviços de manutenção, bombeamento de água, iluminação de segurança e iluminação de valorização do monumento histórico. 

Para saber mais

A Coordenadoria das Fortalezas mantém uma página no Facebook, além do site www.fortalezas.ufsc.br. No site, é possível fazer um passeio virtual, também com acesso a um aplicativo por meio de um tablet ou celular, e saber mais sobre a estrutura de visitação e a história de cada uma das edificações salvaguardadas pela instituição.

Mais informações sobre as demais fortificações de Santa Catarina, do Brasil e de outros países podem ser acessadas na página www.fortalezas.org – base de dados internacional sobre patrimônio fortificado, também desenvolvida e gerenciada pela UFSC.

A Coordenadoria está localizada no pavimento térreo do Centro de Cultura e Eventos, campus UFSC Trindade. O contato com o setor também pode ser feito pelo e-mail fortalezas@contato.ufsc.br ou pelo telefone (48) 3721-8302.