Impactos milenares do clima
Pesquisa estabelece curva de variação do nível do mar em Santa Catarina
Caetano Machado
As variações do nível do mar são cíclicas, ocorrem ao longo do tempo geológico e são influenciadas pelos processos de aquecimento e resfriamento do planeta. Pesquisadores do Grupo de Oceanografia Costeira da UFSC, que integram o projeto Stratshore, fazem o seguinte questionamento: como as alterações climáticas dos últimos 10 mil anos afetaram a plataforma continental – a parte do fundo do mar que inicia junto à costa – da Ilha de Santa Catarina e região adjacente?
Eles também analisam o reflexo dessas influências na estratigrafia e na evolução morfodinâmica de longo prazo, ou seja, tentam identificar a acumulação das camadas nos fundos marinhos e como se movimentaram nesta escala de tempo. O Stratshore já obteve resultados inéditos sobre a evolução da plataforma continental interna de Santa Catarina — uma região caracterizada pela presença de enseadas intercaladas por promontórios rochosos —, utilizando métodos de geofísica rasa de alta resolução, estratigrafia e geomorfologia.
“A estratigrafia é um ramo da Geociências que se preocupa com a distribuição, origem, propriedades, conteúdo, posição e correlações entre as unidades estratigráficas, principalmente de origem sedimentar”, explica Ricardo Piazza Meirelles, pesquisador bolsista do projeto pelo CNPQ – Ciência sem Fronteiras, atração de Jovens Talentos. Numa definição clássica, seria “a descrição dos corpos rochosos que formam a crosta da terra e sua organização em unidades mapeáveis distintas, com base em suas propriedades e atributos intrínsecos”.
A pesquisa estabelece o ajuste de uma curva de variação relativa do nível do mar durante o Holoceno – os últimos dez mil anos antes do presente – para a plataforma interna adjacente à Ilha de Santa Catarina. “Nossa motivação é tentar entender como ocorreu o desenvolvimento da plataforma continental de Santa Catarina. Essa curva permitiu discutir e compreender os impactos das variações climáticas na zona costeira e plataforma continental interna em escala geológica para o Hemisfério Sul, em especial o Sul do Brasi”, observa Ricardo.
Avanços
Os resultados também descrevem e comparam aspectos da estratigrafia e evolução morfodinâmica dos depósitos em subsuperfície, inéditos para Santa Catarina, utilizando métodos de geofísica rasa de alta resolução. Para Ricardo, o Stratshore representa um avanço nas interpretações destas camadas, que dificilmente seriam detectadas e descritas sem a aquisição dos dados geofísicos.
As expedições marítimas do projeto trouxeram dados geofísicos inéditos (250 quilômetros de linhas sísmicas rasas de alta resolução e dados batimétricos) graças a diferentes equipamentos, como Boomer, Chirp e MK-3. “Esses dados foram tratados com a utilização de softwares específicos para o tratamento de dados sísmicos como, por exemplo, o SonarWiz e, mais recentemente, o Meridata, para posteriormente serem interpretados e discutidos”, conta Ricardo.
Discussões mais consistentes sobre a evolução geológica da região foram substancialmente incrementadas com os resultados do Stratshore, que servem como base para estudos em outras regiões do Brasil e do mundo. De acordo com Ricardo, “houve, pela primeira vez no Brasil, uma integração da planície costeira com a plataforma continental interna. Esses resultados combinados possuem consequências para o tratamento de dados estratigráficos e sismoestratigráficos aplicados tanto à planície costeira, quanto às regiões marinhas submersas”.
As variações do nível do mar são cíclicas e ocorreram ao longo de todo o tempo geológico, esclarece Ricardo: o que proporciona essas oscilações são, principalmente, o aquecimento e o resfriamento do planeta. “O aquecimento global favorece que a água aprisionada nas calotas polares como gelo derreta e vá para o oceano, aumentando a quantidade de água, o que forçaria uma subida do nível do mar, uma transgressão marinha sobre o continente e alagamento. O oposto ocorre quando acontece o resfriamento da terra: a água do mar, durante períodos de resfriamentos ou glaciações, é aprisionada na forma de gelo nas calotas polares ou em regiões sob a influência desse resfriamento, o que força uma regressão marinha. Ou seja, o nível do mar recua.” As evidências desta ciclicidade estão marcadas ao longo do tempo.
Colaborações
Além de avançar no entendimento dos processos e da estratigrafia da região da plataforma interna de Santa Catarina, o Stratshore foi importante para estabelecer uma rede de colaboração nacional e internacional e capacitar os profissionais envolvidos, avalia Ricardo. Um exemplo do alcance dos resultados foi a publicação de um artigo científico em um periódico internacional de prestígio, o Marine Geology, sobre um estudo de caso na Baía de Tijucas, região adjacente à Ilha de Santa Catarina. Uma grande acumulação de lama na praia é visível neste local. De acordo com Ricardo, “estudos anteriores mostravam, através de perfurações geológicas e datações, que essas acumulações de lama ultrapassavam 10 metros de espessura”.
“Quando analisamos outras baías próximas que sofrem influência de aporte fluvial, não observamos grande quantidade de lama na praia, o que ocorre na região de Tijucas, em que toda a praia é dominada por lama”, relata o pesquisador. Algumas hipóteses foram desenvolvidas pelos pesquisadores e a principal pergunta foi: por que esta deposição tão acentuada, especificamente neste local?
Uma das suspeitas é que a lama foi aprisionada desde o Holoceno. “Nós direcionamos parte de nossos esforços a obter dados de geofísica na Baía de Tijucas. Depois do tratamento de dados, interpretações e discussões, conseguimos observar barreiras arenosas que se formaram na região da plataforma interna, um pouco mais profundas, cerca de 15 a 20 metros de profundidade do nível atual, e que durante a sua formação foram uma das grandes responsáveis pela acumulação de lama na Baía de Tijucas”, analisa o pesquisador.