O sol nasce para a UFSC

18/12/2017 09:20

Projeto de pesquisa, desenvolvimento e capacitação em energia solar é referência nacional

Mayra Cajueiro Warren

Um ônibus, um barco em uma comunidade amazônica, veículos elétricos circulando pela universidade, placas fotovoltaicas transformando radiação solar em energia elétrica. Esses são alguns dos resultados dos projetos da Fotovoltaica UFSC, laboratório do Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Localizado no Sapiens Parque, em Florianópolis, o grupo é uma das referências nacionais em pesquisa com energia solar fotovoltaica, a energia obtida por meio da conversão da luz e radiação solar em eletricidade (efeito fotovoltaico). A célula fotovoltaica é o dispositivo que possibilita esse processo de conversão e um importante instrumento nas descobertas do grupo de pesquisadores da UFSC, que se dedica ao tema há mais de 20 anos.

O projeto inicial começou em 1997, quando foi realizada a primeira instalação solar fotovoltaica integrada a uma edificação urbana e interligada à rede elétrica pública no Brasil. Essas placas estão até hoje em operação na UFSC, na cobertura do prédio do Departamento de Engenharia Mecânica. Ao longo dos anos, outros painéis foram instalados pelo campus, no Centro de Convivência, Centro de Cultura e Eventos, Colégio de Aplicação. Com o passar dos anos e o desenvolvimento dos estudos, o laboratório vem instalando painéis Brasil afora.

A pesquisa, que antes funcionava de forma descentralizada nos diversos departamentos da universidade, em 2015 recebeu o espaço físico que hoje é um centro de investigação, desenvolvimento e capacitação em energia solar: a Fotovoltaica UFSC. Assim, o grupo segue agregando parceiros e desenvolvendo pesquisas de aplicação na indústria e residências. Exemplos disso são os últimos projetos financiados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e apoiados por dezenas de empresas, em parcerias que possibilitaram equipar o laboratório e ampliar sua atuação.

O projeto que mais tem chamado a atenção da comunidade interna e externa à UFSC é o ônibus elétrico (e-Bus) movido a energia solar, que desde dezembro de 2016 realiza cinco viagens por dia entre o campus central da UFSC e o Sapiens Parque. A energia que abastece o ônibus e todas as atividades do laboratório é 100% renovável, obtida pelos vários sistemas fotovoltaicos de diferentes tecnologias, instalados em telhados e no solo, todos conectados à rede elétrica.

A eletricidade gerada no laboratório atende ao consumo dos prédios e às recargas do ônibus, com sobra, que é enviada por meio da rede elétrica das Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc) para ser consumida no campus central da UFSC. Nas simulações feitas pela Fotovoltaica, estima-se que a geração de eletricidade atenda a cerca de 80% do consumo das edificações e das recargas do e-Bus, na base anual, com 20% sendo mandado pela rede da Celesc para o campus da Trindade.

Pesquisa

Com quatro docentes, sendo um deles voluntário, uma técnica-administrativa em Educação e cerca de 40 pesquisadores estudantes de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, o laboratório contribui consideravelmente para o desenvolvimento da pesquisa na universidade. No período de agosto de 2015 a dezembro de 2016, foi defendida uma tese de doutorado, sete artigos completos foram publicados em periódicos, 12 trabalhos completos publicados em anais de congressos e um capítulo de livro. Nesse período, cumprindo a vocação de capacitar pessoas, a Fotovoltaica transmitiu ao vivo quatro treinamentos ministrados pela equipe do laboratório e seis seminários, cursos e palestras ministrados por pesquisadores visitantes. Os vídeos estão disponíveis na íntegra em seu canal no YouTube, que conta com mais de três mil inscritos.

Mesmo antes da construção dos prédios da Fotovoltaica UFSC, as pesquisas em energia solar sob a coordenação do professor Ricardo Rüther participaram de projetos importantes em todo o Brasil. Um deles, o projeto “Energia Solar Fotovoltaica Aplicada ao Transporte e a Atividades Produtivas na Amazônia”, selecionou uma comunidade ribeirinha isolada na Região Amazônica, nas proximidades de Belém, Pará, para a qual foram projetados, construídos e disponibilizados um Barco Solar, com capacidade de transportar 20 pessoas, e uma Oficina Solar, instalada no atracadouro junto à escola que atende à comunidade, com diversos equipamentos para uso comum.

Outro projeto monitorou, desde 2012, módulos fotovoltaicos instalados em oito estados brasileiros para levantar dados sobre o desempenho dessas estruturas em diferentes condições climáticas. Foram estudadas as tecnologias utilizadas e a influência da temperatura de operação, do clima, do tipo de poeira a qual eram submetidos os módulos, a incidência de radiação solar, entre outros quesitos. “Verificamos se o local tem mais chuva, menos chuva, se é mais nublado ou mais ensolarado. Há tecnologias que funcionam melhor em diferentes condições e isso tudo foi analisado. Agora estamos tentando dar prosseguimento para fazer uma análise de longo prazo”, detalha o pesquisador Alexandre Montenegro, doutorando que realiza sua pesquisa na Fotovoltaica.

Os docentes que atuam no laboratório desenvolvem pesquisas em paralelo a esses grandes projetos da Fotovoltaica. A professora Helena Flavia Naspolini estuda instalações elétricas e eficiência energética e o aproveitamento térmico e fotovoltaico da energia solar; o professor Antonio Augusto Medeiros Fröhlich pesquisa, entre outros assuntos, sistemas operacionais e a integração de energia solar fotovoltaica a edificações urbanas, veículos elétricos e ar-condicionados inteligentes. Já o professor aposentado da UFSC que hoje atua como voluntário, Ivo Barbi, estuda, entre vários tópicos, o desenvolvimento de tecnologias para conexão com a rede elétrica de aerogeradores (sistemas de geração eólica de energia) de pequeno porte.

Ônibus movido a energia 100% solar

O ônibus elétrico movido a energia solar, a menina-dos-olhos do laboratório, rodou 10 mil quilômetros em dois meses, apenas durante a fase de testes, em que realizava cinco viagens diárias entre o campus da UFSC e o Sapiens Parque. O ônibus tem ar-condicionado e capacidade para levar 37 pessoas sentadas, em assentos que oferecem facilidades como tomadas USB e duas mesas de reunião com tomadas elétricas de 220V, fazendo do espaço um ambiente de transporte e trabalho.

“É um projeto de ‘deslocamento produtivo’, que inclusive ainda será equipado com rede wi-fi. É um ambiente de trabalho que possibilitará a nossos pesquisadores, alunos e técnicos trabalhar a bordo do ônibus: fazer reuniões via Skype, baixar artigos, trocar e-mails, tudo o que fazemos em um ambiente de trabalho normal”, explica o professor Rüther.

Trata-se de um ônibus alimentado exclusivamente por energia solar, apesar de não ter nenhuma placa fotovoltaica acoplada a ele. A recarga é feita sempre no eletroposto localizado no Sapiens Parque, que direciona para o veículo parte da energia gerada pelas placas fotovoltaicas instaladas nos telhados e estruturas do laboratório. “Toda a energia que alimenta o ônibus é colhida aqui, por isso, podemos afirmar que o ônibus é 100% solar”, ressalta o coordenador da Fotovoltaica.

“Além de ser uma importante pesquisa, a questão da aplicação da energia solar a veículos elétricos e armazenamento de energia, o ônibus é também um projeto de extensão, que faz o transporte necessário das nossas equipes, resolvendo nosso problema de deslocamento”, complementa Rüther.

Solucionar as dificuldades de transporte entre o campus na Trindade e o Sapiens Parque foi uma das motivações para o projeto. O percurso, de 52 quilômetros (ida e volta) é hoje feito várias vezes ao dia, em caráter de teste, transportando apenas as equipes ligadas às pesquisas da Fotovoltaica. O objetivo, quando estiverem finalizados todos os testes e adaptações, é disponibilizar o serviço a toda a comunidade universitária, que poderá reservar vagas em um aplicativo de celular.

Pedro Veríssimo também é doutorando na Fotovoltaica e, desde que o ônibus começou a circular, deixou de gastar cerca de R$ 350 por mês em combustível. “Eu faço o percurso de manhã e à noite, sempre acompanhando o desempenho do ônibus. Temos um diário de bordo, onde anotamos todos os dados, como número de passageiros, carga de bateria, tempo de viagem. No fim da semana passamos esses dados para uma planilha e vamos acompanhando”, explica.

O veículo é recarregado após cada viagem de ida e volta à universidade, para garantir a autonomia necessária para os percursos. Por enquanto o único ponto de recarga compatível com o ônibus está no Sapiens Parque, mas o projeto prevê a construção de um eletroposto ideal para o ônibus no campus da UFSC.

A concepção do ônibus e sua realização foi possível com o investimento de R$ 1 milhão do MCTIC, doações e colaborações de empresas como a Marcopolo, Mercedes-Benz, WEG, Mitsubishi, Eletra e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Energias Renováveis e Eficiência Energética da Amazônia (INCT-Ereea), do qual a Fotovoltaica faz parte.

“Temos muitos parceiros que são empresas, além do CNPq, da Capes etc. É como financiamos as nossas atividades. O recurso que recebemos do MCTIC serviu para a base, para o ônibus, mas todos os periféricos, como a parte eletrônica, os módulos fotovoltaicos que alimentam a estação de recarga, a própria estação, tudo isso foi conquistado com as parcerias”, ressalta o coordenador.

Futuro acessível

Os próximos projetos da Fotovoltaica UFSC já estão sendo discutidos pelas equipes. Rüther explica que uma grande vertente que o laboratório pretende abordar é o armazenamento de energia. “Esse é um assunto importante no setor elétrico. Este prédio [da Fotovoltaica], para ser independente da rede elétrica, conta com um conjunto de baterias, utilizado quando falta luz e à noite e quando não tem sol”, conta o coordenador.

O novo projeto, em aprovação no programa de pesquisa e desenvolvimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com a empresa Engie como parceira, é focado em armazenamento de energia. O plano é colocar uma grande bateria na Usina Solar Cidade Azul, em Tubarão, e uma bateria de tamanho médio no terreno ao lado da Fotovoltaica.

A Fotovoltaica UFSC também vem intensificando suas pesquisas em mobilidade elétrica, não só com o ônibus solar, como também testando veículos de passeio e as aplicações da energia solar nesses automóveis. “Os carros elétricos representarão novas demandas de energia. Agora, além de gerar energia para nossa casa, para todas as coisas que já utilizam energia elétrica, teremos que gerar uma quantidade maior para fazer o carro andar”, salienta.

O Brasil, acredita Rüther, evoluiu muito nos últimos 20 anos, tanto na pesquisa, como na aplicação da tecnologia de captação da energia solar. O pesquisador aponta o crescimento visível que tem tornado o acesso à tecnologia mais facilitado e tem levado a produção de energia solar a casas e empresas. As instituições que pesquisam esse tipo de energia limpa —UFSC, Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Pará, e Universidade Federal do Rio Grande do Sul —, segundo ele, foram importantes para embasar regulamentações e projetos governamentais, além de alavancar o mercado de trabalho para quem é formado na área.

“Em outros tempos, nossos alunos saíam daqui para trabalhar em outras áreas. Hoje é bem diferente, eles saem daqui empregados. E muitos outros já trabalham e vêm aqui para se especializar. O número de alunos também cresceu: antigamente, minhas turmas de pós-graduação tinham cerca de dez alunos, hoje são mais de 20”, ressalta Rüther.

Iniciativas recentes de popularização, como o projeto Bônus Fotovoltaico, da Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), é visto com um grande avanço pelo pesquisador. Foram disponibilizadas mil vagas para consumidores que quisessem 60% de desconto na compra de sistemas fotovoltaicos para serem instalados em residências, subsidiado pelo projeto. Inscreveram-se mais de 12 mil pessoas em 48 horas. “Esses 11 mil consumidores que não terão o desconto são clientes em potencial. Isso gera interesse, que sem dúvida alguma trará uma queda no valor desse investimento para o cidadão comum. É um projeto maravilhoso que coloca o assunto em pauta. Geram multiplicadores e, como todo o excedente da energia gerada volta para a rede, é excelente para todos”, acredita Rüther.