Lixo Zero

18/12/2017 09:21

Iniciativa que deu certo no Colégio de Aplicação da UFSC, hoje se espalha pelas escolas de Florianópolis

Mayra Cajueiro Warren

Iniciado em 2014, com o apoio do Núcleo de Educação Ambiental do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina (NEAmb/CTC/UFSC), o projeto de extensão Lixo Zero, implantado no Colégio de Aplicação (CA), conseguiu reduzir pela metade a quantidade de resíduos gerados pela comunidade escolar. Isso foi possível com a adoção de medidas como a abolição do uso de copos descartáveis, o aproveitamento do lixo orgânico em compostagem, a criação de uma horta e a separação dos recicláveis e rejeitos.

O projeto vem contribuindo para manter o colégio limpo e reduzir o desperdício de alimentos. A formação do Coletivo Lixo Zero, incentivado pelo NeAmb para dar continuidade à iniciativa, garante uma mobilização contínua, envolvendo voluntários de todos os setores da comunidade escolar: professores, técnicos, estudantes e voluntários.

A diretora do CA, Josalba Ramalho Vieira, explica que a educação pela sustentabilidade é uma das diretrizes da escola no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UFSC: “O Coletivo Lixo Zero e a horta contribuem para a beleza, leveza, limpeza, cuidado e educação com o planeta. É nosso desejo e obrigação incentivar novos projetos, difundir a ideia de que todos os espaços da escola podem ser educadores.”

Josalba conta que as guerras de alimentos, que eram “tradicionais” no intervalo das aulas, simplesmente deixaram de acontecer após o Lixo Zero: “Havia muitas queixas do pessoal da merenda em relação às guerras de comida. Colocamos a compostagem em um local visível justamente para que as gerações mais jovens aprendam que precisamos cuidar do que comemos, do que descartamos e da produção de alimentos.”

O projeto começou em 2014, envolvendo os sétimos anos em uma gincana, que tinha o objetivo de diagnosticar a problemática do lixo na escola. “Uma das provas era mapear as lixeiras do colégio, outra era abrir um saco de lixo, fazer a separação e pesar cada tipo de resíduo”, lembra Luiz Gabriel Catoira Vasconcelos, membro do conselho gestor do NEAmb e voluntário atuante no Lixo Zero.

Em 2015, com a experiência do ano anterior, o NEAmb e o CA desenvolveram o Desafio Lixo Zero. “Buscamos mobilizar a escola em torno do desafio de ser ‘lixo zero’ durante toda a semana. Sacudimos a comunidade inteira, com mobilização, sensibilização, atividades pedagógicas, teatro. Não teve nenhuma pessoa que não tenha participado”, relata. Durante o Desafio, a produção de resíduos sólidos passou de 67 para 33,4 kg. Esse resultado de cerca de 50% de redução só foi possível com a conscientização constante.

O projeto segue uma metodologia desenvolvida em conjunto com o NeAmb, inspirada no COM-VIDA — modelo orientador elaborado pelo Ministério da Educação em parceria com o Ministério do Meio Ambiente para as escolas no que tange às questões ambientais e qualidade de vida. Josalba salienta a importância de um planejamento: “Nada foi aleatório. Pensamos em ações que engajassem a escola de forma abrangente”. Por isso foi fundamental a iniciativa dos estudantes do curso de Engenharia Sanitária e Ambiental, integrantes do NeAmb, que se dispuseram a desenvolver projetos de extensão em educação ambiental.

Luiz, que era estudante de graduação quando o Lixo Zero começou, se envolveu tanto com o projeto que esse foi o tema de sua monografia de conclusão de curso e, depois, de sua dissertação de mestrado. Sua pesquisa abrange a educação ambiental e a implantação de ações como o Lixo Zero do Colégio de Aplicação.

Papelomóvel

A partir do Desafio, nasceu a necessidade de formar um grupo permanente para dar continuidade às mobilizações. Foi assim que surgiu o Coletivo Lixo Zero, formado por estudantes, professores e técnicos do colégio. Todas as ações do Coletivo são decididas pelos voluntários, que têm voz e voto iguais, independentemente de serem estudantes, técnicos ou professores. “O coletivo é um espaço democrático de discussão e ação”, informa Luiz.

A psicóloga do CA, Juliana Lopes, é envolvida com o Lixo Zero desde o início. Ela conta que o trabalho de conscientização é contínuo: “É um investimento incessante de tempo e energia para que as ações se consolidem. Fazemos reuniões com professores, encontros quinzenais do Coletivo, idas frequentes em salas de aula. Após períodos de férias ou feriados prolongados, temos que fazer barulho já na primeira semana, criar ações de mobilização, para que os hábitos anteriores não retornem.”

Abolir o uso de copos descartáveis e criar o “Papelomóvel” foram as primeiras iniciativas do Coletivo. Duas soluções simples, que provocaram grandes mudanças no ambiente escolar. A retirada dos copos descartáveis reduziu o volume de resíduos e diminuiu os custos da escola. Durante a Festa das Famílias e das Culturas, comemoração anual com a presença dos pais e familiares dos estudantes, os convidados tiveram a opção de trazer canecas de casa ou adquirir ou alugar o copo reutilizável do Lixo Zero.

O “Papelomóvel” é um carrinho de supermercado estilizado, que cada dia fica estacionado em um local da escola, para facilitar a separação e coleta do material. “Os estudantes foram orientados e levar os papéis a serem reciclados para o Papelomóvel no dia em que ele estiver mais perto da sua área. Um dos membros do Coletivo Lixo Zero é responsável por transportar o carinho e esvaziá-lo para a coleta da semana seguinte. O papel é recolhido pela Comcap. Mas nosso desejo é fazer oficinas de reciclagem de papel, quando tivermos a estrutura necessária”, explica Juliana.

O mote do projeto – “Ser Lixo Zero está em nossas mãos” – está presente até mesmo na criação de novas estruturas, muitas vezes feitas com o reaproveitamento de materiais em desuso na universidade. Um exemplo é a composteira, construída com pedaços de madeira coletados no campus universitário. “A folhagem seca também é retirada do nosso jardim. No final de cada dia, um voluntário traz os orgânicos para cá, coloca palha por cima e revolve a compostagem”, relata Juliana.

O estudante Dimitri Moros Scheibe, do sexto ano, ingressou no Coletivo como representante do Grêmio Estudantil e continuou no grupo por achar o trabalho importante: “Nosso refeitório já mudou muito. E o papel que antes ficava jogado na sala de aula agora vai para o Papelomóvel. Temos uma gincana, que vale pontos para as olimpíadas do Colégio: se a sala estiver limpa, os alunos ganham pontos. Por isso todo dia a gente varre a sala, recolhe papel. Acho muito lindo o Lixo Zero.”

Exemplo para outras escolas

A experiência que deu certo no Colégio de Aplicação já está sendo aplicada em outros espaços e muitas escolas públicas e privadas têm demonstrado interesse pela proposta. O Neamb apresentou a proposta à Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis e, desde o segundo semestre de 2016, acompanha a implantação do projeto na Escola Básica Donícia Maria da Costa, no bairro Saco Grande, e na Escola Básica Vitor Miguel de Souza, no Itacorubi.

A Escola Donícia teve redução de cerca de um terço dos resíduos. O comprometimento da comunidade escolar também rendeu a criação de um Coletivo, com cerca de 20 alunos e professores, a implantação da compostagem, reciclagem de papel e o início de um Grêmio Estudantil. “Fizemos um diagnóstico, para determinar quanto geravam de lixo, e ficamos muito felizes com a grande participação dos alunos. Para dar continuidade, planejamos agora sugerir oportunidades econômicas, como a reciclagem de papel, oficinas de reutilização de materiais, artesanato e criação de uma horta. Queremos mostrar que, a partir do Lixo Zero, é possível gerar uma economia sustentável”, relata Luiz.

Na escola Vitor Miguel o processo foi um pouco diferente, segundo o voluntário. “Estou estudando os motivos, mas percebemos um envolvimento menor dos alunos e professores, apesar do sucesso com a reciclagem de papel, por exemplo”, diz Luiz. Sua pesquisa de mestrado, que aborda a implantação do Lixo Zero em escolas, analisa fatores que contribuem e que dificultam o engajamento da comunidade escolar na iniciativa.

O modelo aplicado no Colégio de Aplicação da UFSC é referência para todos os novos projetos de implantação do Lixo Zero. Até o final de 2017, a proposta é inserir o projeto na política educacional da escola. “Queremos que o Lixo Zero seja abraçado pela escola como um todo. Nos anos anteriores, era um projeto de extensão. Agora a ideia é que os professores insiram a temática nas aulas, para que tenha efetividade”, afirma Luiz.

O NEAmb continua semeando o projeto Lixo Zero nas escolas por meio da pesquisa científica e do trabalho de extensão. Até agora já foi objeto de estudo de dois trabalhos de conclusão de curso, um artigo publicado e uma dissertação de mestrado. O Núcleo planeja, também, disseminar a metodologia por meio de um processo de formação voltado para profissionais de engenharia sanitária e ambiental e educadores. “O projeto cresceu bastante. Já recebemos solicitações de outros estados e até mesmo do Nepal! Temos uma demanda muito grande”, conta Luiz. O sucesso da iniciativa é visível e a proposta, agora, é compartilhar o conhecimento gerado.